quarta-feira, 16 de maio de 2012

Capítulo 9 - A Sra Bennet visita Jane em casa do Sr. Bingley


Elizabeth passou grande parte da noite à cabeceira da irmã e de manhã teve a consolação de poder mandar uma resposta favorável as perguntas que, através da governanta, desde muito cedo recebeu do Sr. Bingley e àquelas feitas um pouco mais tarde pelas duas elegantes senhoras que serviam as irmãs. Apesar das melhoras, contudo, pediu que um bilhetinho seu fosse enviado a Longbourn, no qual requeria a presença de sua mãe junto de Jane, para que ela própria desse o seu parecer sobre o estado da filha. O bilhete foi imediatamente expedido e o seu conteúdo realizado sem demora. A Sra. Bennet, acompanhada pelas duas filhas mais novas, chegou a Netherfield logo após o pequeno-almoço dos senhores da casa.

Se acaso fosse encontrar Jane de algum modo em perigo, a Sra Bennet sentir-se-ia realmente aflita; mas, uma vez tranquilizada por ver que o seu estado não era alarmante, ela não nutria qualquer desejo pelo seu restabelecimento imediato, pois nessa altura a sua filha teria de deixar Netherfield. Não atendeu, por esta razão, ao pedido insistente da filha para que a levassem para casa, o que, aliás, o próprio boticário, que entretanto também chegara, terminantemente desaconselhou. Após algum tempo na companhia de Jane, com a aparecimento da Menina Bingley e a convite desta, a mãe e as três filhas seguiram-na até à salinha junto da entrada. Bingley avançou ao seu encontro, exprimindo o desejo de que a Sra. Bennet não tivesse encontrado a Menina Bennet pior do que ela esperava.

- De fato, assim foi, meu caro senhor - respondeu a Sra. Bennet. - Ela encontra-se muito doente para alguma vez ser levada daqui. O Sr. Jones é de opinião de que ela não pode ainda sair de casa. Teremos de abusar um pouco mais da sua bondade.

- Levá-la daqui! - exclamou o Sr. Bingley. - Nem pensar nisso. Estou certo de que a minha irmã não quererá ouvir falar em tal coisa.

- Esteja descansada, minha senhora - disse a Menina Bingley com uma delicada frieza -, que a Menina Bennet receberá todos os cuidados possíveis enquanto aqui permanecer conosco.

A Sra Bennet exprimiu com profusão todo o seu reconhecimento.

- E não sei o que seria dela - acrescentou - se não fosse serem tão bons amigos, pois ela está, de fato, bastante doente. Sofre muito, pobre pequena, embora com uma paciência de santa, que, aliás, não lhe é estranha, pois ela tem o temperamento mais doce que jamais me foi dado encontrar. É com frequência que digo às minhas outras filhas que elas nada se parecem com Jane. Que bonita sala a que o senhor aqui tem, Sr. Bingley, e com uma linda vista para o jardim. Não conheço nada nos arredores de idêntico a Netherfield. Não pensará deixá-lo de um instante para o outro, espero eu, embora o tenha alugado por pouco tempo.

- Tudo o que faço, é-o de um instante para o outro - replicou ele - e, se acaso resolvesse deixar Netherfield, passados cinco minutos teria provavelmente partido. De momento, contudo, considero-me praticamente instalado aqui.

- é exatamente o que eu supunha do senhor - disse Elizabeth.

- Começa a compreender-me, não é? - exclamou ele, voltando-se para ela.

- Oh!, sim!, compreendo-o perfeitamente.

- Gostaria de poder tomá-lo como um elogio, mas receio bem que essa minha transparência só seja de lamentar.

- É como é. Não se segue, necessariamente, que um caráter profundo e intricado seja mais ou menos digno de estima do que um como o do senhor.

- Lizzy - exclamou a mãe -, lembra-te de onde estás e modera a impetuosidade que te é permitida em casa.

- Não tinha ainda dado - prosseguiu Bingley imediatamente - por que se dedicasse ao estudo dos caracteres. Deve ser bastante interessante.

- Sim, mas os caracteres intricados são os que mais divertem. Têm, pelo menos, essa vantagem.

- A província - interveio Darcy - poucos assuntos fornecerá de interesse para tal estudo. Numa comunidade provinciana uma pessoa move-se num meio restrito e invariável.

- Mas as próprias pessoas modificam-se tanto que há sempre algo de novo nelas que as torna interessante e o resto de suas vidas.

- Naturalmente! - exclamou a Sr.a Bennet, ofendida pelo modo como ele falara de uma comunidade provinciana. - Asseguro-lhe que a vida social na província é quase tão intensa como na capital.

Todos se entreolharam, surpreendidos, e Darcy, após fitá-la durante algum tempo, afastou-se em silêncio. A Sra Bennet, que imaginava ter alcançado sobre ele uma vitória redundante, continuou em ar de triunfo.

- Por mim, não percebo que vantagem Londres possa ter sobre a província, além das lojas e os locais públicos. A província é de longe mais agradável, não acha, Sr. Bingley?

- Quando estou na província - replicou ele -, custa-me deixá-la; e quando na capital, acontece-me exatamente o mesmo. Têm cada uma as suas vantagens, e eu sinto-me igualmente feliz em qualquer uma delas.

- De acordo... e porque o senhor tem bom feitio. Mas aquele cavalheiro - olhando para Darcy - parecia não dar qualquer valor à província.

- Por Deus, mãe, está enganada - interveio Elizabeth, corando por sua mãe. - Não percebeu o que o Sr. Darcy disse. Ele apenas quis dizer que a variedade de pessoas na província é menor do que na capital, o que terá de reconhecer como um fato.

- Com certeza, minha querida, ninguém diz o contrário; mas, quanto a não haver pessoas em número nesta vizinhança, não é verdade, pois se até nos damos com vinte e quatro famílias, pelo menos.

Nada, a não ser o respeito por Elizabeth, permitia a Bingley guardar a sua serenidade. A irmã, menos delicada, olhou para o Sr. Darcy num sorriso bem expressivo. Elizabeth, procurando dizer algo que desviasse as atenções de sua mãe, perguntou-lhe se acaso Charlotte Lucas visitara Longbourn durante a sua ausência.

- Sim, apareceu ontem com o pai. Que simpático homem é Sir William, não acha, Sr. Bingley? E que bom que ele é, tão delicado e tão simples!... tem sempre uma palavra amável para todos. É a isto que eu chamo ser bem educado; e, quanto àqueles que se julgam muito importantes e nunca abrem a boca, não passam de uma fraude.

- A Charlotte jantou convosco?

- Não, pois precisavam dela em casa. Penso que por causa dos pastéis folhados. Em minha casa, Sr. Bingley, disponho sempre de criados competentes; as «minhas» filhas são educadas de modo diferente. Mas cada um é juiz de si próprio, e as Meninas Lucas são muito boas raparigas, posso-lhe garantir. E pena não serem bonitas! Não é que eu ache a Charlotte «muito» feia... e, além disso, ela é íntima.

- Pareceu-me ser uma rapariga bastante simpática.

- Oh!, claro; mas admita que é muito feia. A própria Lady Lucas o diz com frequência e inveja-me a beleza de Jane. Não gosto de gabar as minhas filhas, mas, quanto a Jane... não é todos os dias que se vêem raparigas como ela. É o que, pelo menos, toda a gente diz. Não quero confiar na minha parcialidade. Quando ela tinha apenas quinze anos de idade e a levámos a casa de meu irmão Gardiner, na capital, um senhor apaixonou-se de tal modo por ela que a minha cunhada se chegou a convencer de que ele pediria a mão dela antes de regressarmos. Contudo, ele não o fez. Talvez a tenha achado jovem de mais. Escreveu-lhe ainda uns versos, bem bonitos, por sinal.

- E assim terminou o seu amor - disse Elizabeth, impaciente. - Segundo creio, mais de um foram abafados assim. Gostava de saber quem terá descoberto a eficácia da poesia para espantar o amor!

- Fui habituado a considerar a poesia como o «alimento» do amor - opinou Darcy.

- De um amor puro, vigoroso e saudável, é possível. Tudo serve de alimento ao que já vingou. Mas, se se trata de uma inclinação ligeira e efémera, estou convencida de que um bom soneto a varre de uma vez.

Darcy limitou-se a sorrir; e na pausa que se seguiu Elizabeth tremeu com o receio de que sua mãe se expusesse de novo ao ridículo. Queria falar, mas não sabia o que dizer; e, após um curto silêncio, a Sr.a Bennet tornou a agradecer ao Sr. Bingley a bondade para com Jane, pedindo desculpa também do incómodo que Lizzy pudesse causar. O Sr. Bingley respondeu com uma delicadeza simples e obrigou a irmã a ser igualmente delicada e a dizer o que a ocasião requeria. Esta desempenhou, de fato, o seu papel sem muita convicção, mas a Sr.a Bennet deu-se por satisfeita e pouco depois pediu a carruagem. A este sinal, uma das suas filhas mais novas adiantou-se. As duas raparigas tinham passado o tempo da visita a segredarem uma à outra, e, como resultado, a mais nova teria de lembrar ao Sr. Bingley a promessa que ele fizera à chegada, de que daria um baile em Netherfield.

Lydia era uma possante e bem desenvolvida moçoila para os seus quinze anos de idade, tinha uma pele bonita e a expressão risonha; favorita de sua mãe, desde muito cedo fora apresentada na sociedade. De temperamento essencialmente primário, tinha uma espécie de auto-importância natural, que as atenções dos oficiais, angariadas tanto à custa dos esplêndidos jantares em casa do tio como pelas maneiras fáceis da rapariga, transformaram numa confiança ilimitada em si própria. Não era, portanto, de estranhar que ela se dirigisse ao Sr. Bingley a propósito do baile e, abruptamente, lhe lembrasse a promessa feita, acrescentando que seria vergonhoso se ele não a cumprisse. A resposta a este repentino ataque soou deliciosamente aos ouvidos da mãe das raparigas.

- Esteja tranquila, que não esqueci a promessa feita; e, logo que a sua irmã se restabeleça, peço-lhe o favor de indicar o próprio dia do baile. Penso que não quererá divertir-se enquanto sua irmã está de cama?

Lydia mostrou-se satisfeita.

- Oh! Claro!, será muito melhor esperar por que Jane esteja boa, e é natural que nessa altura o capitão Carter já tenha regressado a Meryton. E quando o senhor tiver dado o «seu» baile - acrescentou ela - insistirei para que eles dêem um também. Direi ao coronel Forster que é uma vergonha, se ele não o dá.

A Sr.a Bennet e as filhas partiram finalmente e Elizabeth voltou para junto de Jane, abandonando o seu comportamento e o de sua família aos comentários das duas senhoras e do Sr. Darcy. Este último, contudo, evitou censurá-la, apesar dos dichotes da Menina Bingley a propósito de «olhos bonitos».


Nenhum comentário:

Postar um comentário