quarta-feira, 16 de maio de 2012

Capítulo 6 - Sr. Darcy se interessa por Elizabeth


As senhoras de Longbourn em breve visitaram as de Netherfield, que, na devida forma, lhes retribuíram a visita. A afabilidade da Menina Bennet continuava cativando tanto a Sr.a Hurst como a Menina Bingley, que, embora rotulassem a mãe de insuportável e as irmãs mais novas como indignas de menção, exprimiram, em atenção pelas duas mais velhas, o seu desejo de um conhecimento mais íntimo entre «elas». Jane, naturalmente, ficou extremamente sensibilizada, mas Elizabeth, que as via tratando tudo e todos com a mesma altivez, sua irmã até, decididamente não simpatizava com elas; aliás, a consideração que elas manifestavam por Jane, se de consideração se tratava, só valia enquanto resultante da influencia inspirada pela admiração do irmão. Este, na verdade, não escondia quanto a admirava, como a todos era dado ver, sempre que se encontravam; mas Elizabeth via, igualmente, como a irmã cedia à preferência que no seu espírito alimentara desde o primeiro dia em que o vira, caminhando a passos largos para o amor; contudo, era com prazer que considerava a impossibilidade de tal facto se tornar do domínio público, uma vez que Jane, aliando a uma poderosa força de sentimentos uma serenidade de temperamento e um controle perfeito nos modos, nunca permitiria qualquer suspeita impertinente. E isto disse-o à Menina Lucas.

- Talvez seja agradável para uma pessoa - replicou Charlotte - ser capaz de, em tais casos, iludir a opinião pública; contudo, essa mesma reserva pode, por vezes, tornar-se numa desvantagem. Se uma mulher é igualmente hábil em esconder a sua afeição do objecto que a motiva, ela arrisca-se a perder a oportunidade de o cativar, e, nessa altura, de pouco consolo lhe servirá saber os outros na mesma ignorância. Na maioria dos afectos, a gratidão ou a vaidade ocupam um lugar tão eminente que se torna perigoso ignorá-los. Todos podemos «começar» espontaneamente - uma preferência é coisa naturalíssima-, mas poucos são aqueles que enveredam pelo amor sem qualquer espécie de encorajamento. Em nove de cada dez casos, seria preferível uma mulher mostrar «mais» afeição do que aquela que ela realmente sente. Bingley sem dúvida que gosta da tua irmã, mas pode perfeitamente não ir mais além, se ela não lhe der uma ajuda.

- Mas ela ajuda-o, tanto quanto a sua natureza lho permite. Se eu própria vislumbro os sentimentos que ela nutre por ele, ele é um pateta em não o descobrir também.

- Lembra-te, Eliza, que ele não conhece tão bem como tu a natureza de Jane.

- Mas, se uma mulher gosta de um homem e não faz nada para o esconder, ele tem de acabar por o descobrir.

- Talvez isso acabe por acontecer, se ele estiver junto dela o suficiente. Ora, embora Bingley e Jane se encontrem com frequência, nunca é durante muito tempo; e como, quando se vêem, é sempre no meio de muita gente, torna-se-lhes impossível aproveitar todos os momentos para conversarem um com o outro. Jane deveria, assim, aproveitar ao máximo a escassa meia hora em que ela detém a atenção dele. Quando, finalmente, estiver segura do amor dele, terá todo o vagar para, por sua vez, se apaixonar como ela bem o entender.

- Tudo isso está muito certo - replicou Elizabeth - para aqueles casos em que o que prevalece é o desejo de bem casar; e, se um dia me resolver a apanhar um marido rico, ou simplesmente um marido, creio bem que adotarei o teu sistema. Mas não é este o caso de Jane; ela não persegue um objectivo. No ponto em que as coisas estão, ela não pode sequer estar certa da natureza dos seus próprios sentimentos, quanto mais da sua sensatez. Conheceu-o apenas há quinze dias. Dançou duas vezes com ele em Meryton, viu-o uma manhã em casa dele, e desde aí jantou quatro vezes na sua companhia. Como podes ver, não é o suficiente para ela se familiarizar com a maneira de ser dele.

- Claro que não, do modo como tu apresentes as coisas. Se ela se tivesse limitado a «jantar« com ele, talvez nada tivesse adiantado sobre ele para além do seu apetite; mas não te podes esquecer que passaram quatro serões juntos - e quatro serões ajudam muito.

- Sim, esses quatro serões deram-lhes a possibilidade de se certificarem que ambos gostavam mais do ving-un que do jogo do comércio; mas com respeito a qualquer outra característica essencial, não acredito que lhes tenha servido de muito.

- Bom - disse Charlotte -, é com todo o coração que desejo um bom êxito a jane; e, se ela se casasse com ele amanhã, eu diria que as probabilidades de ser feliz seriam tantas quantas aquelas que se lhe ofereceriam após ela ter passado dose meses a estudar o carácter dele. A felicidade no casamento é uma questão de sorte. Por mais profundo que seja o conhecimento mútuo ou identidade entre as partes interessadas antes do enlace, em nada contribui para a felicidade. Há sempre, depois, uma disparidade de feitios suficiente para lhes assegurar a cada um a sua dose de mortificação; e, sendo assim, quanto menos se conhecerem os defeitos daquele com quem se vai passar o resto da vida, tanto melhor será.

- Tu divertes-me, Charlotte, mas nada disso é lógico. Tu própria reconheces á sua impraticabilidade e que no teu caso nunca agirias assim.

Ocupada em observar as atenções do Sr. Bingley para com sua irmã, Elizabeth estava longe de suspeitar que ela própria se tornara num objecto de certo interesse aos olhos do amigo. O Sr. Darcy, a princípio, fora quase com relutância que lhe admitira uma certa beleza; no baile olhara para ela sem admiração e na vez seguinte olhou-a apenas para a criticar. Porém, ainda mal ele se certificara a si e aos amigos da quase inexistência de um traço bonito naquela cara, quando começou a achá-la invulgarmente inteligente pela bonita expressão dos seus olhos pretos. A esta descoberta sucederam-se outras igualmente desconcertantes. Embora de um olho crítico tivesse detectado mais de uma falha de simetria perfeita na forma do seu corpo, era forçado a reconhecer-lhe uma figura airosa e agradável; e, apesar de considerar os seus modos muito aquém dos do mundo elegante, cativaram-no pela sua graciosidade simples. De nada disto ela se apercebia; para ela, ele não passava de um homem antipático, um homem que não a achara suficientemente atraente para dançar.

Ele começou a sentir em si o desejo de a conhecer melhor, e, como primeiro passo para conversar com ela, passou a assistir ás conversas dela com os outros. Tal atitude chamou a atenção de Elizabeth, encontravam-se eles, então, em casa de Sir William Lucas, onde se reunia um numeroso grupo de pessoas.

- Que pretenderá o Sr. Darcy - disse ela a Charlotte - ao escutar a minha conversa com o coronel Forster?

- É essa uma pergunta a que só o Sr. Darcy poderá responder.

- Mas, se ele o torna a fazer, garanto-te que lhe direi na cara que sei bem o que pretende. Ele tem uma maneira de olhar bastante irónica, e, se não começo eu por lhe mostrar a minha insolência, em breve ficarei aterrorizada por ele.

Como nesse preciso momento ele se dirigia para elas, embora sem mostrar qualquer intenção de abrir a boca, a Menina Lucas incitou a amiga a falar-lhe no assunto, com o que Elizabeth, sentindo a provocação, se voltou para ele e disse-lhe:

- Não é sua opinião, Sr. Darcy, que me exprimi invulgarmente bem, quando, há pouco, atormentava o coronel Forster para nos dar um baile em Meryton.

- Com grande energia; mas é esse um assunto que torna qualquer senhora enérgica.

- O senhor é severo para connosco.

- Em breve será a vez «dela» de ser atormentada - disse a Menina Lucas -; vou abrir o piano, Eliza, e sabes perfeitamente o que se segue.

- És uma estranha criatura para ser amiga de alguém! Sempre a fazer-me tocar e cantar em frente de todos e de qualquer! Se a minha vaidade fosse voltada para a música, serias inestimável, mas, como não é o caso, preferia não me evidenciar perante aqueles que devem estar habituados a executantes da mais alta craveira. - Contudo, como a menina Lucas insistisse, ela acrescentou: - Muito bem; se assim tem de ser, que o seja. - E, olhando com um ar sério para o Sr. Darcy: - Há um velho ditado que todos nós conhecemos e que diz: «Guarda o teu fôlego para resfriares o caldo», e eu guardarei o meu para entoar a minha canção.

A actuação de Elizabeth foi agradável, embora de modo algum excelente. Depois de uma canção ou duas, e antes que pudesse responder à insistência das várias pessoas para ela cantar de novo, o lugar ao piano foi avidamente ocupado pela sua irmã Mary, que, em consequência da sua fealdade, se aplicara na árdua aquisição de conhecimentos e dotes, vivendo na ânsia constante de os exibir.

Mary não tinha nem talento nem gosto; e, embora a vaidade lhe tivesse dado aplicação, emprestara-lhe também um tal ar de superioridade e afectação nos modos que por si só prejudicariam um grau de perfeição mais elevado que o que ela atingira; Elizabeth, que não tocava tanto como a irmã, prendera muito mais a atenção. Mary, após um longo concerto, e como paga de todo o elogio e gratidão, atacou alegremente árias escocesas e irlandesas, a pedido das irmãs mais novas, que, com algumas das Meninas Lucas e assistidas por dois ou três oficiais, formaram um pequeno grupo de dança numa das extremidades do salão.

Perto deles encontrava-se o Sr. Darcy, criticando-os intimamente por tal modo de passar a noite, em detrimento de toda e qualquer espécie de conversa; e tão embrenhado estava nos seus pensamentos que não deu pela presença junto de si de Sir William Lucas senão quando este lhe disse:

- Que encantador divertimento este para os jovens, Sr. Darcy! Não há nada como a dança, no fundo; considero-a até um dos principais requintes das sociedades cultas.

- Perfeitamente de acordo, meu senhor; e tem também a vantagem de estar em voga entre as sociedades menos cultas do mundo. Qualquer selvagem sabe dançar.

Sr. William apenas sorriu:

- O seu amigo dança maravilhosamente - continuou ele após uma pausa, ao ver Bingley juntar-se ao grupo -; e não duvido de que até o senhor seja um adepto de tal arte, Sr. Darcy.

- Viu-me dançar em Meryton, creio eu.

- Sim, de facto, e não foi sem um certo prazer que o fiz. Dança com frequência em St. James?

- Nunca, meu senhor.

- Não acha que seria um acto lisonjeador para com tal local?

- É esse um lisonjeio que, sempre que posso, evito fazer a um local, seja ele qual for.

- Tem uma casa na capital, segundo deduzi?

O Sr. Darcy curvou-se em sinal de assentimento.

- Tive em tempos a intenção de me fixar na capital, também, pois tenho uma predilecção pela alta sociedade; mas não tinha a certeza que Lady Lucas se desse bem com os ares de Londres.

Fez uma pausa, na esperança de uma resposta, mas o seu companheiro não estava disposto a dar-lha; e, como nesse momento Elizabeth passava por eles, ocorreu-lhe de súbito a ideia de um gesto deveras galanteador, e chamou-a.

- Querida Menina Eliza, porque não dança? Sr. Darcy, permita-me que lhe apresente esta jovem senhora como um par desejável. Não se recusará a dançar, creio eu, perante tanta beleza. - E, pegando na mão dela, deu-a ao Sr. Darcy, que, apesar de extremamente surpreendido, fez menção de lhe pegar, quando Elizabeth de pronto a retirou e, numa certa agitação, disse para Sir William:

- Por Deus, meu caro senhor, não tenho qualquer intenção de dançar. Peço-lhe que não pense que passei por aqui apenas em busca de um par.

O Sr. Darcy, compenetrado e correcto, pediu-lhe que lhe desse a honra de dançar, mas em vão. Elizabeth estava decidida, e nem Sir William a conseguiu persuadir do contrário.

-Tem uma maneira tão bonita de dançar, Menina eliza, que é cruel da sua parte negar-me a felicidade de a apreciar; e, embora este cavalheiro, de um modo geral, despreze tal divertimento, tenho a certeza de que não se oporá a entreter-nos durante uma escassa meia hora.

- O Sr. Darcy é de uma delicadeza sem limites - disse Elizabeth, sorrindo.

- é-o, de facto, mas, tendo em vista o incentivo, querida Menina Eliza, não nos podemos admirar da sua condescendência; pois que teria ele a dizer sobre tal par?

Elizabeth deitou um olhar malicioso e afastou-se. A sua resistência não feriu o cavalheiro; estava ele precisamente a pensar nela, quando foi abordado pela Menina Bingley.

- Penso adivinhar qual o assunto de meditação tão profunda.

- Creio bem que não.

- Estava a pensar que insuportável não seria ter de passar mais de uma noite assim... com tal gente; e, na verdade, estou plenamente de acordo consigo. Nunca me senti tão aborrecida! A insipidez, e não obstante a algazarra: a nulidade, e não obstante a presunção de toda esta gente! O que eu não daria para o ouvir a si censurá-los.

- Está redondamente enganada, asseguro-lho. Pensava em coisas bem mais agradáveis. Meditava, por exemplo, no imenso prazer que um par de lindos olhos na cara de uma mulher bonita podem conceder.

A Menina Bingley, imediatamente fixando os olhos na cara dele, desejou saber a que senhora se devia a honra de lhe inspirar tais reflexões. O Sr, Darcy, intrépido, replicou:

- A Menina Elizabeth Bennet,

- A Menina Elizabeth Bennet! - repetiu a Menina Bingley.
- Estou deveras espantada. Desde quando ocupa ela o lugar de favorita? E, diga-me, quando o devo felicitar?

- Era exactamente a pergunta que esperava que me fizesse. A imaginação de uma senhora é de uma rapidez fantástica; é um instante enquanto salta de admiração para amor, e de amor para matrimónio. Sabia que faria a gracinha de me felicitar.

- Bom, se é com tal seriedade que encara o assunto, considerá-lo-ei definitivamente arrumado. Terá, na verdade, uma sogra encantadora, e, naturalmente, ela passará a vida em Pemberley.

Ele escutou-a numa indiferença total e durante tanto tempo quanto ela lhe aprouve alongar-se sobre o assunto; e, como essa sua tranquilidade a convencesse de que nada estava perdido, a Menina Bingley deu livre curso à sua ironia.


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