Capítulo 59 - Todos ficam sabendo do noivado de Elizabeth e Darcy
Readquirida a tranquilidade de espírito, e com ela o seu bom humor, Elizabeth exigiu do Sr. Darcy que ele lhe contasse como se apaixonara por ela.
- Como começou?
- disse ela. - Compreendo que tenha
progredido
gradualmente, após o primeiro passo; mas o que foi que o impulsionou?
- Não posso
determinar a hora ou o lugar, o olhar ou as palavras que alicerçaram o meu
amor. Já estava no meio e ainda não dera por que tivesse começado.
- Quanto à minha
beleza, foi desde logo classificada por si, e, quanto aos meus modos, o meu
comportamento para consigo andou perto da má educação, e quando me dirigia a si
era quase sempre com o intuito de feri-lo. Agora, seja sincero: foi pela minha
impertinência que me admirou?
- Admirei-a pela
vivacidade do seu espírito.
- Ou
impertinência, como queira. Pouco menos era do que isso. O que é certo é que
estava farto de amabilidades, deferências e atenções. Desdenhava todas aquelas
mulheres que falavam, agiam e pensavam com o único fito de o conquistar.
Despertei a sua atenção porque eu era diferente delas. Se não tivesse um fundo
realmente bom, ter-me-ia odiado. Mas, apesar do trabalho que teve em disfarçar
os seus sentimentos, estes sempre foram nobres e justos. No seu coração, nunca
deixou de desprezar as pessoas que o cortejavam tão assiduamente. Ora aí tem...
poupei-lhe o trabalho de uma explicação; e, de facto, pensando bem, começo a
achá-la perfeitamente razoável. De resto, não me conhecia nenhuma boa
qualidade, mas ninguém pensa nisso quando se apaixona.
- E não havia bondade
na afectuosa atitude que teve para com Jane, quando ela esteve doente em
Netherfield?
- Querida Jane!
Quem não teria feito outro tanto por ela? Mas faça disso uma virtude, se
quiser; as minhas boas qualidades ficam ao seu cuidado, e pode exagerá-las como
melhor lhe convier. Em troca, cabe-me o direito de provocá-lo e discutir
consigo todas as vezes que me apetecer; e, para começar, diga-me por que razão
à última hora se mostrou tão indeciso. Por que razão se mostrou tão tímido
comigo na primeira vez que nos visitou e, depois, quando aqui jantou? E,
sobretudo, por que conservava uma atitude tão distante e fria?
- Porque também
você se mantinha grave e silenciosa e não me deu qualquer encorajamento.
- Mas eu estava
embaraçada.
- E eu também.
- Podia ter
procurado conversar mais comigo, quando veio jantar.
- Um homem menos
apaixonado que eu talvez o tivesse feito.
-É pena que
encontre para tudo uma resposta razoável e que eu tenha o bom senso de
aceitá-la! Mas pergunto-me a mim mesma quanto tempo levaria ainda para se
declarar, se eu não tivesse interferido! Pergunto-me quando se resolveria a
falar, se eu não o tivesse interrogado! A minha resolução em agradecer-lhe a
sua bondade para com Lydia teve, sem dúvida, um grande efeito. Receio que até
demasiado, pois que será da moral se o nosso entendimento se deve a uma quebra
de promessa, uma vez que eu não deveria ter mencionado o assunto? Assim não
iremos longe.
- Não se
preocupe. A moral está a salvo. As injustificadas tentativas de Lady Catherine
para nos separar foram um meio de remover todas as minhas dúvidas. Não é ao seu
ávido desejo de exprimir a sua gratidão que devo a minha actual felicidade. Não
me sentia em estado de esperar muito tempo por uma intervenção sua. A
comunicação da minha tia deu-me novas esperanças e eu estava decidido a saber
tudo imediatamente.
- Lady Catherine
foi-nos de imensa utilidade, e isso deverá torná-la feliz, pois ela gosta de
ser útil. Mas, diga-me, por que veio a Netherfield? Foi apenas para passear até
Longbourn e ficar embaraçado? Ou terá pensado na possibilidade de consequências
mais sérias?
- O meu
verdadeiro objectivo foi vê-la e verificar se poderia alguma vez fazer que
gostasse de mim. O motivo declarado, ou pelo menos aquele que confessei a mim
mesmo, foi verificar se a sua irmã ainda gostava de Bingley e, acaso ainda
gostasse, fazer ao meu amigo a confissão que mais tarde realmente lhe fiz.
- Terá alguma
vez a coragem de participar o nosso noivado a Lady Catherine?
- É mais fácil
faltar-me o tempo do que a coragem. Mas, uma vez que tem de ser feito, dê-me
uma folha de papel e escreverei neste mesmo instante.
- E, se eu não
tivesse também uma carta a escrever, sentar-me-ia a seu lado e admiraria a
regularidade da sua caligrafia, como certa jovem, um dia, já o fez; mas
acontece que também tenho uma tia e estou em falta para com ela.
Elizabeth, que
até então evitara ter de dizer aos tios que eles tinham exagerado a intimidade
entre o Sr. Darcy e ela, ainda não respondera à carta da Sr.a Gardiner, mas,
actualmente, sabendo que eles receberiam da melhor maneira a comunicação que
tinha a fazer-lhes, ela sentiu-se quase envergonhada ao reflectir que os seus
tios já tinham perdido três dias de felicidade, e imediatamente respondeu o seguinte:
Eu já lhe teria
escrito, minha querida tia, para lhe agradecer, como devia, a sua longa e
carinhosa carta, tão rica em pormenores, se, para lhe dizer a verdade, não me
sentisse aborrecida demais para o fazer. A tia supôs mais do que aquilo que realmente
existia. Mas, agora, suponha tudo o que quiser; dê largas à fantasia e
entregue-se à sua imaginação, para os voos mais arrojados, e, a menos que me
imagine já casada, não errará por muito. Escreva-me tão depressa quanto puder e
elogie-o a ele ainda mais do que na sua última carta. Não me canso de lhe
agradecer por não me terem levado até aos Lagos. Não sei como pude ser tola a
ponto de desejar tal passeio! A sua ideia dos garranos é encantadora.
Percorreremos o parque todos os dias. Sou a criatura mais feliz do mundo.
Talvez outras pessoas já o tenham dito antes, mas nunca com tanta justiça. Sou
mais feliz até do que Jane; ela apenas sorri, eu rio. O Sr. Darcy envia-lhe
todo o seu amor, aquele que ainda lhe resta. Contamos com todos em Pemberley, para
passar o Natal. A sua, etc.
A carta do Sr.
Darcy para Lady Catherine foi escrita em estilo bem diferente. Diferente também
de ambas foi a carta que o Sr. Bennet escreveu ao Sr. Collins, em resposta à
última daquele cavalheiro.
Caro Senhor,
Venho incomodá-lo
mais uma vez para novas participações. Elizabeth será em breve a esposa do Sr.
Darcy. Console Lady Catherine como puder. Mas, se fosse a si, tomaria o partido
do sobrinho. Ele tem mais para dar. Sinceramente seu, etc.
Os parabéns que
a Menina Bingley mandou ao irmão pelo seu próximo casamento foram tudo o que
havia de mais afectuoso e menos sincero. Ela escreveu também a Jane, nessa
ocasião, a fim de exprimir o seu contentamento e repetir todas as suas
anteriores declarações de estima. Jane não se deixou iludir, mas ficou
enternecida; e, embora não tendo confiança nela, não pôde deixar de lhe
escrever uma carta muito mais amável e carinhosa do que ela sabia que a outra
merecia.
A alegria que a
Menina Darcy exprimiu ao receber informação semelhante foi tão sincera quanto a
do seu irmão ao enviá-la. Quatro páginas foram insuficientes para exprimir todo
o seu sentir e o seu sincero desejo de ser estimada pela sua futura irmã.
Antes de
qualquer resposta do Sr. Collins ou parabéns de Charlotte para Elizabeth, a
família de Longbourn soube que os Collins em pessoa tinham chegado ao
Hertfordshire. O motivo dessa súbita viagem tornou-se logo evidente. Lady
Catherine ficara tão exasperada com a carta do sobrinho que Charlotte, que na
realidade se alegrava com o casamento, desejou ir-se embora até a tempestade
passar. Num momento como aquele, a chegada da amiga causou um sincero prazer a
Elizabeth, muito embora esse prazer tivesse de ser pago a alto preço, quando
via o Sr. Darcy exposto às delicadezas obsequiosas e enfatuadas do Sr. Collins.
Darcy, no
entanto, suportava tudo aquilo com uma calma admirável. Ouviu até com
serenidade as palavras de Sir William Lucas, que o congratulou por ter
conquistado a mais bela jóia do país e exprimiu a esperança de todos eles se
encontrarem frequentemente em St. James. Se ele chegou a encolher os ombros,
foi apenas quando Sir William se afastou.
A vulgaridade da
Sr.a Philips foi outra sobrecarga, talvez maior do que qualquer outra, para a
paciência dele; e, embora a Sr.a Philips, tal como a sua irmã, a Sr.a Bennet,
se sentisse atemorizada diante de Darcy, que não tinha o bom humor de Bingley,
todas as vezes que abria a boca era para dizer coisas vulgares. Elizabeth fazia
tudo o que podia para protegê-lo das frequentes atenções de ambas, atraindo-o
constantemente para junto de si ou dos outros membros da sua família, com quem
ele poderia conversar sem mortificação; e, embora as contrariedades
consequentes tirassem ao período de noivado muito do seu encanto, faziam-na
pensar com maior satisfação no futuro, antecipando a vida confortável e
intimamente familiar que teriam em Pemberley, longe daquela sociedade tão pouco
agradável para ambos.
Que maravilha ter a oportunidade de uma leitura tão rica. Agradeço de coração a sua disposição de nos proporcionar algo tão belo.
ResponderExcluirObrigada! Amo esta obra!
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