Capítulo 56 - Sr. Bennet recebe uma carta do Sr Collins
A agitação que
esta extraordinária visita provocou no espírito de Elizabeth não poderia ser
facilmente dominada; e durante várias horas ela não pôde deixar de pensar
incessantemente naquilo. Lady Catherine, segundo parecia, tinha-se dado ao
trabalho de sair de Rosings e empreender aquela viagem com o único fito de
desmanchar o seu suposto noivado com o Sr. Darcy. Não era mal pensado, de
facto! Mas de onde poderia originar a notícia de tal noivado, Elizabeth não
sabia determinar. Por fim, lembrou-se que o facto de ele ser um íntimo amigo de
Bingley e ela irmã de Jane fosse suficiente para, numa altura em que a
expectativa de um casamento alerta o espírito das pessoas para outro, originar
tal ideia. Ela própria não deixara de sentir que o casamento da irmã
juntá-los-ia com maior frequência; e, provavelmente, que os seus vizinhos Lucas
(pois fora, de certo, por seu intermédio que a notícia chegara, através dos
Collins, aos ouvidos de Lady Catherine) tinham apresentado como coisa quase
certa e imediata aquilo que ela própria encarava como uma remota
possibilidade num futuro longínquo.
Reflectindo
sobre as expressões de Lady Catherine, ela não era estranha a uma certa
inquietude quanto às possíveis consequências de tal interferência. Pelo que ela
dissera da sua resolução em impedir o casamento, ocorreu a Elizabeth que ela
devia ter em mente uma entrevista com o sobrinho; e como reagiria ele à sua
representação das consequências funestas ligadas a tal acto, ela não ousava
pronunciar-se. Elizabeth não sabia qual a afeição do Sr. Darcy pela tia, nem a
confiança que ele depositava nas suas opiniões; mas era natural que ele tivesse
maior consideração por S. Excelência que ela própria; e era certo que, ao
enumerar as misérias de um casamento com uma pessoa cujos parentes eram tão
inferiores aos seus, ela o atacaria pelo seu lado mais fraco. Com os seus
preconceitos de classe, ele provavelmente sentiria que os argumentos, que a
Elizabeth tinham parecido fracos e ridículos, continham bastante bom senso e um
raciocínio sólido.
Se ele já antes
hesitara quanto ao que devia fazer, o que frequentemente a sua atitude dera a
entender, os conselhos e as exortações de uma pessoa que lhe era tão chegada
poderia destruir todas as suas dúvidas e convencê-lo, de uma vez para sempre, a
procurar a sua felicidade sem ofender os seus brasões de família. Sendo assim,
ele já não voltaria. Lady Catherine encontrá-lo-ia em Londres e a promessa dele
a Bingley de voltar a Netherfield seria esquecida.
«Se, portanto,
ele enviar qualquer desculpa ao amigo dentro destes dias mais próximos, dizendo
que está impossibilitado de vir, saberei então o que pensar«, disse Elizabeth
para si. «Nessa altura desistirei de tudo. E, se ele se limitar a lamentar a
minha perda, quando está nas suas mãos obter a minha afeição, renunciarei a
ele, sem mágoa.»
A surpresa dos
restantes membros da família quando souberam quem tinha sido a visitante foi
ilimitada. Contentaram-se, no entanto, com as mesmas suposições que haviam
aplacado a curiosidade da Sr.a Bennet, e Elizabeth não foi mais incomodada sobre
o assunto.
No dia seguinte,
de manhã, Elizabeth descia as escadas quando seu pai, saindo da biblioteca,
veio ao seu encontro com uma carta na mão:
- Lizzy - disse
ele -, ia à tua procura. Vem à biblioteca.
Ela seguiu-o; e
a sua curiosidade em saber o que ele tinha para lhe dizer era aumentada pela
suposição de que se relacionasse com a carta que tinha na mão. Ocorreu-lhe de
súbito que ela proviesse de Lady Catherine; e com horror anteviu todas as
consequentes explicações.
Ela seguiu o pai
até à lareira, sentaram-se diante dela, e o Sr. Bennet então disse:
- Recebi esta
manhã uma carta que me surpreendeu extraordinariamente. Como ela se refere
principalmente à tua pessoa, é necessário que sejas informada do seu conteúdo.
Não sabia que tinha duas filhas à beira do matrimónio. Deixa-me que te felicite
pela tua conquista de grande envergadura.
O sangue afluiu
ao rosto de Elizabeth e por um instante ela supôs que a carta viesse do
sobrinho, e não da tia, e hesitava se devia sentir-se contente por ele se ter
finalmente explicado ou ofendida porque a carta não lhe era dirigida a si,
quando seu pai prosseguiu:
- Parece
compreenderes do que se trata. As jovens mostram grande penetração em assuntos
desta natureza; no entanto, acho que posso até desafiar a tua sagacidade em
descobrires qual o nome do teu admirador. A carta é do Sr. Collins.
- Do Sr.
Collins! E que poderá ele dizer?
- Algo que vem
muito a propósito, decerto. Começa congratulando-me pelo próximo casamento da
minha filha mais velha, sobre o que, segundo tudo leva a crer, foi informado
por alguma das bem-intencionadas e mexeriqueiras Meninas Lucas. Não te vou ler
essa parte, para não atentar contra a tua paciência. Aquela que te diz
respeito, versa assim: «Tendo-lhe apresentado deste modo as sinceras
congratulações da Sr.a Collins, bem como as minhas, pelo feliz acontecimento,
permita-me acrescentar uma ligeira alusão ao assunto de outro, do qual fomos
advertidos pela mesma autoridade. A sua filha Elizabeth, ao que parece, não
usará por muito mais tempo o nome de Bennet, depois de sua irmã mais velha ter
renunciado ao mesmo, e o eleito pode, com toda a justiça, ser nem mais nem
menos considerado como uma das pessoas mais ilustres deste pais.»
- Imaginarás de
quem se possa tratar? «Esse jovem foi aquinhoado com tudo o que um coração
mortal pode desejar: esplêndidas propriedades, nobre linhagem e considerável
influência. Contudo, apesar de todas estas vantagens, permita-me que eu previna
a minha prima Elizabeth, como a si próprio, dos males que poderão advir de um
consentimento precipitado às propostas daquele cavalheiro, propostas das quais,
naturalmente, se sentirão inclinados a tirar o proveito imediato.»
- Tens alguma
ideia, Lizzy, de quem possa ser este cavalheiro? Mas agora surge a revelação: «A razão por que
a prevenimos é a seguinte: temos razões para acreditar que a sua tia, Lady
Catherine de Bourgh, não olha com bons olhos este casamento.»
- Como vês,
trata-se do Sr. Darcy! E agora, Lizzy, creio que te surpreendi. Poderiam o Sr.
Collins ou os Lucas ter feito suposição mais absurda!? O Sr. Darcy, que não
olha para uma mulher senão para criticar e que provavelmente nunca olhou para
ti em toda a sua vida! É espantoso!
Elizabeth tentou
fazer coro com o pai na sua jocosidade, mas pôde apenas sorrir com relutância.
Nunca o espírito de seu pai fora dirigido de maneira tão pouco agradável para
ela.
- Não estás
divertida?
- Oh! Claro.
Continue a ler.
- «Tendo eu
mencionado a possibilidade deste casamento a Lady Catherine ontem à noite, ela
imediatamente exprimiu o que sentia acerca desse assunto, com a sua usual
condescendência, proclamando que, devido a certas objecções de família, ela
jamais daria o seu consentimento para o que, segundo a sua própria expressão,
era um péssimo casamento. Considerei ser meu dever comunicar tudo isto à minha
prima, para que ela e o seu nobre admirador saibam o que estão fazendo e não se
precipitem num casamento que nunca será convenientemente sancionado.» O Sr. Collins,
mais adiante, acrescenta: «Causa-me muita alegria saber que o triste caso da
minha prima Lydia foi rapidamente abafado, preocupando-me apenas que se tenha
tornado do domínio público o facto de eles terem vivido juntos antes de se
casarem. Não posso, contudo, esquecer os deveres do meu estado, nem deixar de
manifestar o meu espanto ao saber que o senhor recebeu o jovem casal em sua
casa, logo após o matrimónio. Considero tal atitude um encorajamento ao vício,
e pode estar certo de que, se eu fosse o pastor de Longbourn, ter-me-ia oposto
terminantemente a isso. É certo que, como cristão, os devia ter perdoado,
porém, jamais deveria admiti-los na sua presença nem permitir que os seus nomes
lhe fossem mencionados.» Esta é a noção que ele tem do perdão cristão! O resto
da carta trata apenas da situação da sua querida Charlotte e das suas
esperanças de um rebento. Mas, Lizzy, parece que não gostaste. Tão cedo não
serás «senhora dona», espero eu, nem te fingirás ofendida por causa de um boato
tão tolo; pois, para que vivemos nós, senão para nos tornarmos objecto de troça
dos nossos vizinhos, e, por nossa vez, rirmo-nos à custa deles?
- Oh! - exclamou
Elizabeth. - Estou até muito divertida. Mas acho tudo isso tão estranho!
- Sim, mas é
isso, precisamente, que lhe dá toda a graça. Se tivessem escolhido outro homem
qualquer, não teria interesse nenhum; mas a perfeita indiferença do Sr. Darcy e
a tua manifesta antipatia tornam essa suposição tão maravilhosamente absurda!
Abomino escrever, mas por coisa nenhuma deste mundo desistiria da minha
correspondência com o Sr. Collins! Quando leio uma carta dele, não posso deixar
até de preferi-lo a Wickham, por mais que eu preze a imprudência e a hipocrisia
do meu genro. Conta-me agora, Lizzy que disse Lady Catherine acerca deste
boato? Ela veio visitar-te para te recusar o seu consentimento?
A esta pergunta,
a filha respondeu-lhe apenas com uma gargalhada; e, como ele lhe fizera a
pergunta sem de nada suspeitar, Elizabeth não ficou embaraçada, mesmo quando
ele a repetiu. Jamais ela sentira tamanha dificuldade em esconder os seus
sentimentos. Era necessário rir, quando ela teria preferido chorar. Seu pai
mortificara-a cruelmente como o que dissera a respeito da indiferença do Sr.
Darcy e ela nada podia fazer senão admirar-se da sua falta de penetração, ou
recear que - quem sabe! - se, em vez de ele ver «pouco», não fora ela que
imaginara «demasiado».
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