segunda-feira, 28 de maio de 2012

Capítulo 56 - Sr. Bennet recebe uma carta do Sr Collins


Capítulo 56 - Sr. Bennet recebe uma carta do Sr Collins

A agitação que esta extraordinária visita provocou no espírito de Elizabeth não poderia ser facilmente dominada; e durante várias horas ela não pôde deixar de pensar incessantemente naquilo. Lady Catherine, segundo parecia, tinha-se dado ao trabalho de sair de Rosings e empreender aquela viagem com o único fito de desmanchar o seu suposto noivado com o Sr. Darcy. Não era mal pensado, de facto! Mas de onde poderia originar a notícia de tal noivado, Elizabeth não sabia determinar. Por fim, lembrou-se que o facto de ele ser um íntimo amigo de Bingley e ela irmã de Jane fosse suficiente para, numa altura em que a expectativa de um casamento alerta o espírito das pessoas para outro, originar tal ideia. Ela própria não deixara de sentir que o casamento da irmã juntá-los-ia com maior frequência; e, provavelmente, que os seus vizinhos Lucas (pois fora, de certo, por seu intermédio que a notícia chegara, através dos Collins, aos ouvidos de Lady Catherine) tinham apresentado como coisa quase certa e imediata aquilo que ela própria encarava como uma remota possibilidade num futuro longínquo.

Reflectindo sobre as expressões de Lady Catherine, ela não era estranha a uma certa inquietude quanto às possíveis consequências de tal interferência. Pelo que ela dissera da sua resolução em impedir o casamento, ocorreu a Elizabeth que ela devia ter em mente uma entrevista com o sobrinho; e como reagiria ele à sua representação das consequências funestas ligadas a tal acto, ela não ousava pronunciar-se. Elizabeth não sabia qual a afeição do Sr. Darcy pela tia, nem a confiança que ele depositava nas suas opiniões; mas era natural que ele tivesse maior consideração por S. Excelência que ela própria; e era certo que, ao enumerar as misérias de um casamento com uma pessoa cujos parentes eram tão inferiores aos seus, ela o atacaria pelo seu lado mais fraco. Com os seus preconceitos de classe, ele provavelmente sentiria que os argumentos, que a Elizabeth tinham parecido fracos e ridículos, continham bastante bom senso e um raciocínio sólido.

Se ele já antes hesitara quanto ao que devia fazer, o que frequentemente a sua atitude dera a entender, os conselhos e as exortações de uma pessoa que lhe era tão chegada poderia destruir todas as suas dúvidas e convencê-lo, de uma vez para sempre, a procurar a sua felicidade sem ofender os seus brasões de família. Sendo assim, ele já não voltaria. Lady Catherine encontrá-lo-ia em Londres e a promessa dele a Bingley de voltar a Netherfield seria esquecida.

«Se, portanto, ele enviar qualquer desculpa ao amigo dentro destes dias mais próximos, dizendo que está impossibilitado de vir, saberei então o que pensar«, disse Elizabeth para si. «Nessa altura desistirei de tudo. E, se ele se limitar a lamentar a minha perda, quando está nas suas mãos obter a minha afeição, renunciarei a ele, sem mágoa.»

A surpresa dos restantes membros da família quando souberam quem tinha sido a visitante foi ilimitada. Contentaram-se, no entanto, com as mesmas suposições que haviam aplacado a curiosidade da Sr.a Bennet, e Elizabeth não foi mais incomodada sobre o assunto.

No dia seguinte, de manhã, Elizabeth descia as escadas quando seu pai, saindo da biblioteca, veio ao seu encontro com uma carta na mão:

- Lizzy - disse ele -, ia à tua procura. Vem à biblioteca.

Ela seguiu-o; e a sua curiosidade em saber o que ele tinha para lhe dizer era aumentada pela suposição de que se relacionasse com a carta que tinha na mão. Ocorreu-lhe de súbito que ela proviesse de Lady Catherine; e com horror anteviu todas as consequentes explicações.

Ela seguiu o pai até à lareira, sentaram-se diante dela, e o Sr. Bennet então disse:

- Recebi esta manhã uma carta que me surpreendeu extraordinariamente. Como ela se refere principalmente à tua pessoa, é necessário que sejas informada do seu conteúdo. Não sabia que tinha duas filhas à beira do matrimónio. Deixa-me que te felicite pela tua conquista de grande envergadura.

O sangue afluiu ao rosto de Elizabeth e por um instante ela supôs que a carta viesse do sobrinho, e não da tia, e hesitava se devia sentir-se contente por ele se ter finalmente explicado ou ofendida porque a carta não lhe era dirigida a si, quando seu pai prosseguiu:

- Parece compreenderes do que se trata. As jovens mostram grande penetração em assuntos desta natureza; no entanto, acho que posso até desafiar a tua sagacidade em descobrires qual o nome do teu admirador. A carta é do Sr. Collins.

- Do Sr. Collins! E que poderá ele dizer?

- Algo que vem muito a propósito, decerto. Começa congratulando-me pelo próximo casamento da minha filha mais velha, sobre o que, segundo tudo leva a crer, foi informado por alguma das bem-intencionadas e mexeriqueiras Meninas Lucas. Não te vou ler essa parte, para não atentar contra a tua paciência. Aquela que te diz respeito, versa assim: «Tendo-lhe apresentado deste modo as sinceras congratulações da Sr.a Collins, bem como as minhas, pelo feliz acontecimento, permita-me acrescentar uma ligeira alusão ao assunto de outro, do qual fomos advertidos pela mesma autoridade. A sua filha Elizabeth, ao que parece, não usará por muito mais tempo o nome de Bennet, depois de sua irmã mais velha ter renunciado ao mesmo, e o eleito pode, com toda a justiça, ser nem mais nem menos considerado como uma das pessoas mais ilustres deste pais.»

- Imaginarás de quem se possa tratar? «Esse jovem foi aquinhoado com tudo o que um coração mortal pode desejar: esplêndidas propriedades, nobre linhagem e considerável influência. Contudo, apesar de todas estas vantagens, permita-me que eu previna a minha prima Elizabeth, como a si próprio, dos males que poderão advir de um consentimento precipitado às propostas daquele cavalheiro, propostas das quais, naturalmente, se sentirão inclinados a tirar o proveito imediato.»

- Tens alguma ideia, Lizzy, de quem possa ser este cavalheiro? Mas agora surge a revelação: «A razão por que a prevenimos é a seguinte: temos razões para acreditar que a sua tia, Lady Catherine de Bourgh, não olha com bons olhos este casamento.»

- Como vês, trata-se do Sr. Darcy! E agora, Lizzy, creio que te surpreendi. Poderiam o Sr. Collins ou os Lucas ter feito suposição mais absurda!? O Sr. Darcy, que não olha para uma mulher senão para criticar e que provavelmente nunca olhou para ti em toda a sua vida! É espantoso!

Elizabeth tentou fazer coro com o pai na sua jocosidade, mas pôde apenas sorrir com relutância. Nunca o espírito de seu pai fora dirigido de maneira tão pouco agradável para ela.

- Não estás divertida?

- Oh! Claro. Continue a ler.

- «Tendo eu mencionado a possibilidade deste casamento a Lady Catherine ontem à noite, ela imediatamente exprimiu o que sentia acerca desse assunto, com a sua usual condescendência, proclamando que, devido a certas objecções de família, ela jamais daria o seu consentimento para o que, segundo a sua própria expressão, era um péssimo casamento. Considerei ser meu dever comunicar tudo isto à minha prima, para que ela e o seu nobre admirador saibam o que estão fazendo e não se precipitem num casamento que nunca será convenientemente sancionado.» O Sr. Collins, mais adiante, acrescenta: «Causa-me muita alegria saber que o triste caso da minha prima Lydia foi rapidamente abafado, preocupando-me apenas que se tenha tornado do domínio público o facto de eles terem vivido juntos antes de se casarem. Não posso, contudo, esquecer os deveres do meu estado, nem deixar de manifestar o meu espanto ao saber que o senhor recebeu o jovem casal em sua casa, logo após o matrimónio. Considero tal atitude um encorajamento ao vício, e pode estar certo de que, se eu fosse o pastor de Longbourn, ter-me-ia oposto terminantemente a isso. É certo que, como cristão, os devia ter perdoado, porém, jamais deveria admiti-los na sua presença nem permitir que os seus nomes lhe fossem mencionados.» Esta é a noção que ele tem do perdão cristão! O resto da carta trata apenas da situação da sua querida Charlotte e das suas esperanças de um rebento. Mas, Lizzy, parece que não gostaste. Tão cedo não serás «senhora dona», espero eu, nem te fingirás ofendida por causa de um boato tão tolo; pois, para que vivemos nós, senão para nos tornarmos objecto de troça dos nossos vizinhos, e, por nossa vez, rirmo-nos à custa deles?

- Oh! - exclamou Elizabeth. - Estou até muito divertida. Mas acho tudo isso tão estranho!

- Sim, mas é isso, precisamente, que lhe dá toda a graça. Se tivessem escolhido outro homem qualquer, não teria interesse nenhum; mas a perfeita indiferença do Sr. Darcy e a tua manifesta antipatia tornam essa suposição tão maravilhosamente absurda! Abomino escrever, mas por coisa nenhuma deste mundo desistiria da minha correspondência com o Sr. Collins! Quando leio uma carta dele, não posso deixar até de preferi-lo a Wickham, por mais que eu preze a imprudência e a hipocrisia do meu genro. Conta-me agora, Lizzy que disse Lady Catherine acerca deste boato? Ela veio visitar-te para te recusar o seu consentimento?

A esta pergunta, a filha respondeu-lhe apenas com uma gargalhada; e, como ele lhe fizera a pergunta sem de nada suspeitar, Elizabeth não ficou embaraçada, mesmo quando ele a repetiu. Jamais ela sentira tamanha dificuldade em esconder os seus sentimentos. Era necessário rir, quando ela teria preferido chorar. Seu pai mortificara-a cruelmente como o que dissera a respeito da indiferença do Sr. Darcy e ela nada podia fazer senão admirar-se da sua falta de penetração, ou recear que - quem sabe! - se, em vez de ele ver «pouco», não fora ela que imaginara «demasiado».

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