Capítulo 52 - Sr Bingley visita os Bennet
O Sr. Wickham ficou tão satisfeito com a conversa que nunca mais mencionou aquele assunto na presença de Elizabeth; e esta ficou contente por ter dito o suficiente para o silenciar.
- Não sei. Daqui
a dois ou três anos, talvez.
- Não deixes de
me escrever, meu amor.
- Escreverei
sempre que puder; mas, como a mãe sabe, as mulheres casadas não têm muito tempo
para escrever. Não é o caso das minhas irmãs, pois essas não têm mais nada que
fazer.
As despedidas do
Sr. Wickham foram muito mais afectuosas do que as de sua mulher. Ele sorria,
cativava e exprimia-se agradavelmente.
- É um óptimo
rapaz - disse o Sr. Bennet, assim que o viu fora de casa. - Distribui sorrisos,
gracinhas e faz a corte a todos nós. Tenho grande orgulho nele. Desafio o
próprio Sir William Lucas a apresentar um genro melhor do que o meu.
A partida da sua
filha tornou a Sr.a Bennet melancólica durante vários dias.
- Muitas vezes
penso - dizia ela - que não há nada de mais doloroso do que separarmo-nos dos
nossos amigos. Uma pessoa sente-se tão abandonada.
- Como pode ver,
mãe - disse Elizabeth -, é essa a consequência de casar uma filha. Alegre-se
por as outras quatro continuarem ainda solteiras.
- Não é nada
disso. Eu só me separo de Lydia, não pelo facto de ela ter casado, mas por o
regimento do marido se encontrar lá para tão longe. Se estivesse mais próximo,
não seria obrigada a partir tão cedo.
Mas, do desânimo
em que este acontecimento a precipitou, a Sr.a Bennet em breve foi despertada
por uma notícia que começou a circular. A governanta de Netherfiel recebera
ordens do patrão para ter a casa a postos e pronta a recebê-lo dentro de um ou
dois dias, pois ele tencionava demorar-se aí várias semanas para caçar. A Sr.a
Bennet ficou muito agitada. Olhava constantemente para Jane, e sorria, ou
abanava a cabeça.
Fora a Sr.a
Philips quem lhe trouxera a notícia.
- Bom, bom,
então o Sr. Bingley está para chegar! Tanto melhor. Não é que isso me diga
muito respeito; conhecemo-lo muito pouco, como sabes, e eu perdi toda a vontade
de o voltar a ver. No entanto, acho que faz muito bem em vir para Netherfield.
Quem sabe o que pode acontecer? Mas, bem sabes, há muito tempo que resolvemos
não falar mais no assunto. Então, é mesma certa a chegada dele?
- Conta com ela
como tal - replicou a outra -, pois a Sr.a Nichols ainda ontem à tarde esteve
em Meryton. Vi-a passar, e sai de propósito para lhe perguntar o que havia de
certo em tudo o que ouvira. Ela confirmou a verdade e disse que ele deveria chegar
na quinta-feira, o mais tardar, ou talvez mesmo na quarta. Ia precisamente a
caminho do talho, disse-me ela, para encomendar carne para quarta-feira, e que
tinha, além disso, três casais de patos prontos para matar.
Jane, ao ouvir a
notícia, não pôde deixar de empalidecer. Havia muitos meses já, desde a última
vez em que ela pronunciara o nome de Bingley na presença de Elizabeth.
Agora,
encontrando-se as duas a sós, ela disse-lhe:
- Reparei que
olhaste muito para mim, Lizzy, quando a tia nos participou a notícia. Fiquei
perturbada, com efeito, não pelo que pareces pensar, mas porque senti que todas
iam olhar para mim. Acredita-me que nada sinto com essa notícia, nem alegria
nem outro sentimento qualquer. Alegra-me, contudo, que ele não venha acompanhado,
pois desse modo vê-lo-emos menos vezes. Não é que eu tenha medo de mim própria,
mas acima de tudo tenho horror às observações das outras pessoas.
Elizabeth não
sabia o que pensar. Se ela não o tivesse visto no Derbyshire, poderia aceitar o
motivo que alegavam para a sua vinda. Porém achava que Bingley ainda gostava de
Jane; e hesitava perante duas outras explicações, que considerava muito mais
prováveis; se ele vinha porque o seu amigo lho permitira ou se ousara
espontaneamente tomar essa resolução.
Por vezes,
contudo, Elizabeth pensava: «Não vejo por que razão este pobre homem não
haveria de visitar a casa que alugou, e que é dele, sem despertar toda a
curiosidade. Não pensarei mais nele e deixá-lo-ei com a sua boa estrela.»
Apesar do que a
irmã lhe dissera, e que ela acreditava ter sido dito com toda a sinceridade,
Elizabeth percebia facilmente que a perspectiva da chegada de Bingley a tinha
afectado profundamente. Jane andava perturbada e agitada, como poucas vezes a
vira.
O assunto que,
há um ano atrás, fora tão calorosamente discutido entre os pais voltava agora a
apresentar-se.
- Logo que o Sr.
Bingley chegue, meu caro - dizia a Sr.a Bennet - espero que o vá visitar,
naturalmente.
- Não, não. A
senhora obrigou-me a visitá-lo o ano passado e disse-me que, se eu lá fosse,
ele casaria com uma das minhas filhas. Ora isso não aconteceu, e eu não quero
tornar a fazer figura de tolo.
A mulher
procurou convencê-lo de que era essa uma obrigação a que todos os cavalheiros
da região se deviam submeter, uma vez que ele estava de volta.
- É uma etiqueta
que eu desprezo - respondeu o Sr. Bennet. - Se deseja a nossa companhia, ele
que a procure. Já sabe onde
moramos. Não vou perder o meu tempo a correr atrás dos vizinhos de cada vez que
eles se vão embora e tornam a voltar.
- Pois bem, tudo
o que eu sei é que praticará uma abominável grosseria se o não for visitar.
Contudo, isso não me impedirá de convidá-lo para jantar connosco. Como
necessito de convidar a Sr.a Long e os Gouldings, contando connosco, seremos
treze à mesa, por isso haverá justamente um lugar para o Sr. Bingley.
Consolada com
esta resolução, a Sr.a Bennet sentiu-se com maior força para suportar a falta
de cortesia do marido, embora a mortificasse sobremaneira saber que por causa
dela todos os vizinhos veriam o Sr. Bingley primeiro do que a família Bennet.
Poucos dias
antes da sua chegada, Jane disse para sua irmã:
- Quase preferia
que ele não viesse de todo. Continuo perfeitamente indiferente; mas não suporto
ouvir falar constantemente no assunto. A intenção da nossa mãe é boa; mas ela
não sabe, ninguém sabe, como eu sofro com o que dizem. Que felicidade, quando
ele tornar a partir de Netherfield!
- Gostaria de te
dizer alguma coisa que servisse de consolo - replicou Elizabeth -, mas é-me
completamente impossível; tu sabe-lo. E a satisfação usual de pregar paciência
a um sofredor é-me negada, pois tu tem-la de sobra.
O Sr. Bingley
chegou. A Sr.a Bennet, por intermédio dos criados, arranjou maneira de saber do
facto o mais cedo possível, de modo a aumentar em si, tanto quanto possível, o
período de ansiedade e agitação. Ela contava os dias que deveriam decorrer
antes de o convite ser enviado, pois durante esse período não poderia ter
esperanças de o ver. Contudo, uma manhã, três dias após a sua chegada ao
Hertfordshire, a Sr.a Bennet, que estava à janela do seu quarto de vestir, viu
o Sr. Bingley entrar a cavalo pelo portão e aproximar-se de casa.
As filhas foram
imediatamente chamadas para participarem da sua alegria. Jane continuou resolutamente
sentada no seu lugar; mas Elizabeth, para contentar a mãe, foi até à janela,
olhou e, vendo que o Sr. Darcy vinha na companhia de Bingley, voltou a
sentar-se ao lado de sua irmã.
- Deve ser
alguém conhecido dele, meu amor, mas não sei quem é.
- Ora! - tornou
Kitty. - Parece aquele senhor que já aqui esteve da outra vez. - O Sr.
Não-sei-quê... aquele homem alto e muito orgulhoso...
- Meu Deus! O
Sr. Darcy!... é ele, é. Pois, e que seja, qualquer amigo do Sr. Bingley é
sempre bem recebido nesta casa; mas devo confessar que o odeio, só de olhar
para ele.
Jane olhou para
Elizabeth, com surpresa e inquietação. Ela pouco sabia a respeito dos encontros
que a irmã tivera com o Sr. Darcy no Derbyshire, e supunha, portanto, que ela
se sentiria muito embaraçada em vê-lo depois da carta que recebera dele. Ambas
as irmãs se sentiam pouco à vontade. Cada uma delas sentia pela outra e,
naturalmente, por si própria. A Sr.a Bennet continuava falando na antipatia que
tinha pelo Sr. Darcy e repetia que estava disposta a tratá-lo delicadamente
apenas porque se tratava de um amigo do Sr. Bingley. Mas as suas palavras não
eram ouvidas por nenhuma das suas filhas. Elizabeth tinha motivos para inquietação
de que sua irmã não suspeitava, pois nunca tivera a coragem de revelar a Jane a
carta da Sr.a Gardiner, bem como a mudança radical dos seus sentimentos para
com o Sr. Darcy. Para Jane, ele continuava a ser o homem cujas propostas a irmã
recusara e cujas qualidades ela subestimara. Mas, para Elizabeth, que possuía
outras informações, ele era a pessoa a quem toda a família devia o maior dos
benefícios e a quem ela própria votava uma afeição, senão tão terna como a de
Jane por Bingley, pelo menos tão razoável e tão justa. A surpresa da vinda dele
a Netherfield e a sua visita a LongLourn, propositadamente para voltar a vê-la,
era tão forte como aquela que sentira ao dar pela transformação que nele se
tinha operado, no Derbyshire.
As cores, que
tinham desaparecido do seu rosto, tornaram a voltar com maior intensidade e um
sorriso de prazer deu um brilho novo aos seus olhos, durante alguns instantes;
e pensou para si que provavelmente os sentimentos de Darcy continuavam
inalterados. No entanto, não queria precipitar-se.
«Vejamos,
primeiro, como ele se porta«, disse ela; «antes disso, será cedo de mais para
qualquer esperança.»
Continuou atenta
ao seu trabalho, procurando acalmar-se e sem ousar levantar os olhos, até que
uma curiosidade ansiosa a levou a fitar o rosto da irmã, enquanto o criado se
aproximava da porta da entrada. Jane parecia um pouco mais pálida do que o
costume, porém mais calma do que Elizabeth esperava. Quando os cavalheiros
finalmente entraram, ela viu-a enrubescer ligeiramente; no entanto, recebeu-os
com tranquilidade e modos totalmente destituídos tanto de qualquer sinal de
ressentimento como de qualquer desejo exagerado em agradar.
Elizabeth, por
seu lado, limitou-se a cumprimentá-los e a dizer-lhes estritamente o
necessário, voltando ao seu trabalho com um afinco que ele nem sempre requeria.
Arriscara apenas um olhar na direcção de Darcy. A expressão dele mantinha-se
grave, como de costume; e, pensava ela, mais do que anteriormente, no
Hertfordshire ou em Pemberley. Mas talvez ele não conseguisse ser, na presença
da sua mãe, o que fora na dos tios. Era uma conjectura bem dolorosa, embora
nada improvável.
Para Bingley ela
também só olhara de relance; e, naquele instante, a sua expressão era ao mesmo
tempo alegre e embaraçada. A Sr.a Bennet recebeu-o com uma tal cortesia e tão
grande amabilidade que as suas filhas se sentiram envergonhadas; sobretudo
quando viram a fria polidez com que ela cumprimentou o amigo.
Elizabeth, em
particular, que sabia quanto a sua mãe devia a este último, cuja iniciativa
salvara a sua filha favorita de uma irremediável desonra, sentiu-se
profundamente ferida e em agonia com aquela distinção tão mal aplicada.
Darcy, após
perguntar pelo Sr. e Sr.a Gardiner, pergunta a que Elizabeth não pôde responder
sem um certo embaraço, praticamente não falou. Ele não estava sentado perto de
Elizabeth e talvez fosse esse o motivo do seu silencio. Contudo, no Derbyshire,
ele não procedera daquele modo. Aí, ele tinha conversado com os parentes de
Elizabeth, quando não o podia fazer com ela própria. Agora, decorriam vários
minutos sem que se ouvisse o som da sua voz. E quando, por vezes, incapaz de
resistir a um impulso de curiosidade, Elizabeth levantava os olhos e procurava
o seu rosto, via que ele olhava tanto para Jane como para ela própria, e
frequentemente olhava apenas para o chão. Tal atitude exprimia, evidentemente,
maior despreocupação e menos ansiedade em agradar do que da última vez em que
tinham estado juntos. Ela ficou desiludida e depois zangada consigo mesma por
ter cedido àquele sentimento.
«Poderia eu
esperar que tudo se passasse de outro modo?» exclamou ela para si própria.
«Mas, sendo assim, por que veio ele?»
Ela não se
sentia disposta a conversar com ninguém senão com ele; e com ele ela mal tinha
coragem para falar.
Ela
perguntou-lhe pela irmã, mas não conseguiu ir mais longe.
- Passou uma
eternidade, Sr. Bingley, desde que o senhor se foi embora - disse a Sr.a
Bennet.
Ele concordou
prontamente.
- Receava que o
senhor não voltasse - continuou ela. - Correu por aí que tencionava abandonar
Netherfield completamente, por ocasião da festa de S. Miguel; mas espero que
não seja verdade. Muitas coisas aconteceram nas imediações desde que o senhor
partiu. A Menina Lucas está casada e uma das minhas filhas também. Creio que já
terá ouvido falar nisso. Aliás, o senhor deve ter lido nos jornais. A notícia
apareceu no Times e no Courier. Não apareceu como devia, mas enfim... Dizia
apenas: «Casamentos: George Wickham com a Menina Bennet», sem acrescentar nem
uma sílaba a respeito do pai dela, do lugar onde vivia, nada. O contrato foi
feito pelo meu irmão Gardiner e a notícia também foi dada por ele. Não percebi
qual a ideia em comunicar o casamento de forma tão destituída de graça. O senhor
leu?
Bingley
respondeu que não tinha lido e deu-lhe os parabéns.
Elizabeth não
ousou levantar os olhos e ficou sem saber qual a expressão no rosto de Darcy.
- É muito
agradável ter uma filha bem casada - continuou a Sr.a Bennet -, mas é tão duro,
Sr. Bingley, separarmo-nos dela. Eles foram para New Castle. Uma localidade lá
para os confins do Norte, segundo parece. E eles terão de permanecer aí durante
não sei quanto tempo. É a sede do actual regimento do meu genro. O senhor deve
ter ouvido dizer que ele saiu da milícia e entrou no exército regular. Dou
graças a Deus por ele ter alguns amigos, embora não tantos quantos aqueles que
ele merece.
Elizabeth, que
percebeu que ela se dirigia indirectamente ao Sr. Darcy, sentiu uma tal
vergonha e confusão que por pouco não se levantou e fugiu. Estas palavras, no
entanto, conseguiram arrancá-la ao seu silêncio; e, voltando-se para Bingley,
perguntou-lhe se ele tencionava ficar algum tempo na região. Ele respondeu-lhe
que ficaria algumas semanas.
- Depois de ter
morto todos os seus pássaros, Sr. Bingley - continuou a Sr.a Bennet -, venha
caçar à nossa propriedade e matar tantos quanto tiver na vontade. Estou certa
de que o Sr. Bennet terá todo o prazer nisso. E reservar-lhe-emos os melhores
postos para o senhor.
Todas estas
atenções desnecessárias e exageradas faziam crescer o mal-estar de Elizabeth.
Se agora surgissem para Jane as mesmas possibilidades do ano anterior, tudo se
precipitaria para a mesma desastrosa confusão. Naquele instante ela sentiu que
muitos anos de felicidade não poderiam compensar os momentos desagradáveis por
que ela e Jane estavam passando.
«O meu maior
desejo», disse ela para si, «é não tornar a encontrar-me na companhia de
qualquer destes dois. Por mais simpáticos que eles se mostrem, nunca atenuarão
a minha miséria neste instante! Deus permita que nunca mais os veja!»
Contudo, a
miséria, que anos de felicidade não poderiam compensar, foi pouco depois
atenuada de maneira muito sensível, ao observar quão rapidamente a beleza de
sua irmã levava a melhor sobre a admiração do seu antigo apaixonado. A
princípio ele quase não lhe dirigiu a palavra, mas a cada minuto que passava
ele multiplicava as suas atenções para com ela. Ele achava-a tão bela como no
ano anterior; tão simples e tão natural, embora menos comunicativa. Jane
esforçava-se por não deixar perceber qualquer diferença na sua atitude e estava
realmente convencida de que conversava tão animadamente como sempre; contudo,
os seus pensamentos absorviam-na tanto que ela não reparava nos momentos em que
permanecia calada.
Quando os
cavalheiros se levantaram para partir, a Sr.a Bennet lembrou-se do convite que
tencionava fazer-lhes e ficou assente que voltariam para jantar em Longbourn
dai a uns dias.
- O senhor
deve-me uma visita, Sr. Bingley - acrescentou ela -, pois, quando no ano
passado partiu para Londres, o senhor prometeu que tomaria parte num jantar de
família aqui em casa logo que regressasse. Como vê, eu não me esqueci.
Asseguro-o de que fiquei muito desiludida por não o ver regressar como tinha
prometido.
Bingley pareceu
um pouco embaraçado e aludiu vagamente a uns negócios que o tinham detido na
capital, e que sentia muito. Em seguida partiram.
A Sr.a Bennet
sentira-se fortemente inclinada a convidar os dois para jantar naquele mesmo
dia. No entanto, embora se comesse sempre muito bem em sua casa, considerou que
um jantar com menos de dois pratos não seria digno de um homem no qual
depositava tantas esperanças, nem suficiente para satisfazer o apetite e o
orgulho do outro, que possuía dez mil libras de rendimento anuais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário