Capítulo 51 - Elizabeth descobre que foi Darcy que encontrou Lydia
Elizabeth teve a satisfação de receber a resposta à sua carta, e tão depressa quanto ela o poderia desejar. Assim que a carta chegou, correu para o pequeno bosque e, sentando-se num banco, preparou-se para a ler tranquilamente, sentindo-se feliz, pois, pelo número das páginas, era fácil deduzir que não continha uma simples negativa.
Rua Gracechurch,
6 de Setembro
Minha querida
sobrinha,
Acabo de receber
a tua carta e consagrarei toda esta manhã a escrever a minha resposta, pois
prevejo que em poucas linhas não poderei transmitir tudo o que tenho para te
dizer. Devo confessar que o teu interesse não deixa de me surpreender. Não o
esperava da tua parte. Não penses que estou zangada, pois o que eu quero dizer
na minha é que não esperava que estas informações te fossem necessárias. Se
preferes não compreender o que digo, desculpa a impertinência. O teu tio ficou
tão espantado como eu: pois nada, a não ser ter-te tomado a ti como uma das
partes interessadas, o levou a agir da maneira que o fez. Mas, se és realmente
inocente e ignorante, precisarei de ser mais explícita. No próprio dia da minha
chegada de Longbourn, o teu tio recebeu uma visita inesperada. O Sr. Darcy veio
à nossa casa e permaneceu em conferência com ele durante várias horas. Quando
entrei, já tudo isso se tinha passado, e por essa razão a minha curiosidade não
foi tão intensamente despertada como a tua parece ter sido. Ele veio para dizer
ao teu tio que tinha descoberto o paradeiro do Sr. Wickham e de tua irmã e que
já os tinha visto e conversado com ambos, com Wickham várias vezes e com Lydia
apenas uma. Ao que parece, ele deixou o Derbyshire um dia após a nossa partida,
e com destino a Londres, decidido a procurar os fugitivos. O motivo alegado era
a sua convicção de que fora por sua causa que o carácter de Wickham não tinha
sido convenientemente revelado, de modo a impedir que uma rapariga decente o
amasse e confiasse nele. Generosamente, atribuiu tudo isto ao seu orgulho mal
compreendido, pois julgava estar acima da necessidade de expor à opinião
pública os seus actos particulares. O seu caracter respondia por ele. Ele
considerava, portanto, seu dever vir a público e tentar reparar o mal que ele
julgava ter causado. Se tinha «outro motivo», estou certa de que nunca o
desonraria. Passara alguns dias em Londres, antes que lograsse descobrir os
fugitivos. Mas ele possuía um elemento para dirigir a sua busca, e que a nós
nos fazia falta: e este era o motivo que justificava a sua vinda. Existe uma
senhora, ao que parece uma certa Sr.a Younge, que foi durante algum tempo a
dama de companhia da Menina Darcy e que fora despedida por motivos que ele não
nos revelou. Depois disso, ela alugou uma grande casa na Rua Edward e nela
abriu uma pensão. O Sr. Darcy sabia que esta Sr.a Younge era intima de Wickham;
e, sem perda de tempo, logo a procurou em busca de informações, mal chegou a
Londres. Porém, levou dois dias para obter dela o que desejava. Suponho que
essa mulher não estava disposta a trair o segredo que lhe fora confiado sem
receber com isso uma compensação, pois ela sabia perfeitamente onde se
encontrava o seu amigo. Wickham, de facto, tinha-a procurado mal chegara a
Londres, e, se ela tivesse vaga, seria em sua casa que ele se instalaria. Por
fim, o nosso bom amigo conseguiu obter o endereço desejado. Estavam na Rua... O
Sr. Darcy esteve com Wickham e posteriormente insistiu para ver Lydia. O seu
primeiro objectivo para com ela, reconheceu ele, fora persuadi-la a abandonar
tão triste situação e voltar para junto da sua família assim que esta
consentisse em recebê-la, oferecendo todo o seu auxílio nesse sentido. Mas ele
encontrou Lydia absolutamente decidida a conservar-se onde estava. Ela não
queria saber da família, não precisava do auxílio dele e por coisa alguma desta
vida abandonaria Wickham. Estava certa de que casariam mais cedo ou mais tarde
e que a data não tinha importância. Visto isso, pensou ele, restava-lhe apenas
fazer com que casassem o mais rapidamente possível. Logo na primeira conversa
que tivera com Wickham, ele compreendera que nunca fora essa a sua intenção.
Aquele confessara-lhe que tinha deixado o regimento devido a algumas dívidas de
honra muito urgentes; e não hesitava em atribuir unicamente à sua própria
leviandade todas as más consequências da fuga de Lydia. Tinha também a intenção
de resignar o seu cargo imediatamente; e, quanto à sua futura situação, não
sabia absolutamente o que fazer. Precisava de ir para algum lugar, mas não
sabia para onde. Sabia apenas que não tinha dinheiro para viver. Darcy
perguntou-lhe por que razão ele não tinha casado imediatamente com a tua irmã;
mas, em resposta a esta pergunta, o Sr. Darcy descobriu que Wickham acalentava
ainda a esperança de fazer fortuna pelo casamento, num outro condado. Perante
isto, não seria prudente oferecer-lhe um auxílio imediato. Encontraram-se
várias vezes, pois havia muito que discutir. Wickham, naturalmente, queria mais
do que poderia obter. Mas, por fim, ele rendeu-se à evidência e tudo ficou
combinado entre eles. Foi nessa altura que o Sr. Darcy procurou o teu tio para
lhe participar o que tinha feito. E, assim, ele esteve na nossa casa na noite
anterior à minha chegada. Contudo, ele não se avistou com o meu marido, que se
encontrava ausente, e foi então que descobriu que o teu pai ainda aqui se
encontrava e que só partiria de Londres no dia seguinte. Considerando que seria
melhor entender-se com o tio que com o teu pai, resolveu adiar a entrevista
para depois da partida deste. Não deixou o nome, e, até voltar, no dia
seguinte, sabia-se apenas que um cavalheiro tinha procurado o Sr. Gardiner por
causa de uns negócios. No sábado tornou a aparecer. O teu pai já aqui não se
encontrava, o teu tio estava em casa e, como te disse atrás, estiveram a
conversar durante muito tempo. Voltaram a encontrar-se no domingo, e nesse dia
também eu estive com ele. Só na segunda-feira é que tudo ficou definido; e
imediatamente um expresso foi despachado para Longbourn. Mas o nosso visitante
mostrou-se muito obstinado: creio, Lizzy, que, no fim de contas, a obstinação é
o verdadeiro defeito do seu carácter. Já o acusaram de muita coisa, mas esta é
a única que lhe diz realmente respeito. Insistia em ser ele a fazer tudo
pessoalmente; embora eu esteja certa (e não falo nisto para receber
agradecimentos, portanto não digas a ninguém) de que o teu tio trataria de tudo
rapidamente. Discutiram um com o outro demoradamente, mais do que as duas
pessoas em questão o mereciam. Por fim, o teu tio foi obrigado a ceder. Em vez
de ser realmente útil à sobrinha, teve de se contentar com a fama, o que não
lhe agradou de forma nenhuma; e eu creio que a tua carta de hoje lhe deu um
grande prazer, pois exigia uma explicação que o despojaria das suas falsas
plumagens, restituindo a glória a quem de direito. Mas, Lizzy, isto deve ficar
entre nós... e, vá lá, também Jane. Suponho que saibas o que foi feito pelo
jovem casal. As dívidas de Wickham, que montam, creio eu, para além de
mil libras, necessitavam ser pagas. Outras mil eram necessárias para o dote de
Lydia. E a sua fiança ao cargo que pretende teria de ser paga também. O motivo
alegado para fazer tudo isto foi o que eu acima mencionei. Fora devido a ele,
aos seus escrúpulos excessivos, que os outros se tinham iludido a respeito do
carácter de Wickham, depositando nele a confiança que ele não merecia. Talvez
haja uma certa verdade em tudo isto, pois eu duvido que o seu silêncio ou o
silêncio de qualquer outra pessoa possa ter sido a causa do sucedido. Mas,
apesar de todo esse belo discurso, minha querida Lizzy, podes estar certa de
que o teu tio nunca teria cedido se não tivesse julgado que o Sr. Darcy tinha
um «outro» interesse no assunto. Quando tudo se resolveu, ele voltou de novo
para junto dos amigos que o aguardavam em Pemberley, mas ficou combinado que
voltaria a Londres no dia do casamento para dar um avanço nos assuntos de
dinheiro. Creio que já te pus a par de toda a história. É um relato que, pelo
que vejo pela tua carta, te surpreenderá bastante. Espero, pelo menos, que não
te cause qualquer dissabor. Lydia veio para a nossa casa e Wickham estava
frequentemente a vir cá. Achei-o exactamente como quando o conheci no
Hertfordshire; mas a conduta de Lydia não poderia ter-me desagradado mais.
Segundo a carta de Jane, condiz com o seu procedimento em Longbourn, portanto
não hesito em referi-lo, e o que te vou contar não te causará um novo desgosto.
Tentei por várias vezes falar-lhe ao coração, mostrando-lhe o mal que tinha
feito e toda a infelicidade que causara à família. Se ela me ouviu, foi por
acaso. Estou certa de que não prestou qualquer atenção ao que lhe disse. Por
várias vezes me senti irritada. Nessas alturas lembrava-me das minhas queridas
Elizabeth e Jane, e por vossa causa me enchi de toda a paciência. O Sr. Darcy
voltou, como prometera, e, como Lydia te contou, assistiu ao casamento. Jantou
connosco no dia seguinte e fazia tenções de partir na quarta ou quinta-feira.
Espero que não te zangues comigo, minha querida Lizzy, por aproveitar esta
oportunidade para te dizer uma coisa que nunca antes tinha ousado dizer: é que
eu simpatizo muito com ele. A sua atitude para connosco foi tão amável como
quando estivemos no Derbyshire. A sua maneira de encarar as coisas, as suas
opiniões, tudo me agrada e encontra eco no meu coração. Só lhe falta um pouco
de vivacidade, mas, se ele se casar com acerto, a sua mulher lha emprestará.
Achei-o muito astuto. Quase nunca mencionou o teu nome; mas a astúcia parece
estar na moda. Espero que me perdoes se me mostrei muito ousada, ou, pelo
menos, não me castigues a ponto de me excluíres de P... Nunca me sentirei
inteiramente feliz enquanto não tiver percorrido todo aquele parque. Um
faetonte baixo e uma bonita parelha de garranos completariam o programa. Não
posso continuar, pois as crianças esperam-me há meia hora. A tua tia muito
afectuosa, etc., M. Gardiner.
O texto desta
carta lançou o espírito de Elizabeth numa agitação tal que era difícil
determinar qual predominava, se o prazer ou a dor. As vagas suspeitas acerca do
que o Sr. Darcy poderia ter feito para auxiliar o casamento de sua irmã,
suspeitas essas que ela receara encorajar, pois demonstravam uma grandeza de
alma que dificilmente encontraria em alguém, suspeitas essas cuja confirmação,
ao mesmo tempo, temia, pela obrigação que acarretariam, tinham-se convertido em
realidade para além das suas expectativas. Ele deliberadamente seguira-os até
Londres. Assumira todos os incómodos e mortificações inerentes a uma tal
pesquisa. Tivera de suplicar a uma mulher que ele naturalmente deveria abominar
e desprezar. Fora obrigado a encontrar-se frequentemente, a discutir, persuadir
e finalmente subornar o homem que mais do que ninguém desejava evitar e cujo
simples nome lhe era detestável. E tudo isso ele tinha feito por uma rapariga
que ele não podia nem admirar nem estimar. O seu coração dizia-lhe que fora
unicamente por sua causa: mas essa esperança logo era sufocada por outras
reflexões, e ela não se sentia vaidosa a ponto de julgar que Darcy nutriria
qualquer afeição por uma mulher que o rejeitara, ou que ele fosse capaz de
vencer um sentimento tão natural como a aversão em relacionar-se novamente com
Wickham. Cunhado de Wickham! O orgulho mais elementar se voltaria contra isso.
Decerto que ele já tinha feito muito; Elizabeth envergonhava-se, até, ao pensar
em tudo o que lhe devia. Mas Darcy tinha apresentado um motivo para a sua
interferência, um motivo que não exigia subtilezas de interpretação. Não era
natural que ele atribuísse a si próprio todas as culpas. Era generoso e tinha
meios de exercer a sua generosidade. E, embora ela não se considerasse a causa
principal da sua conduta, poderia talvez supor que um resto de afeição por ela
tivesse contribuído para os seus esforços num assunto de que dependia
directamente a sua paz de espírito. Era doloroso, extremamente doloroso, saber
que estavam em dívida para com uma pessoa a quem nunca poderiam pagar. Deviam a
reabilitação de Lydia e a sua restituição ao seio da família unicamente ao Sr.
Darcy. Elizabeth arrependeu-se amargamente de todos os dissabores que lhe
causara, de todas as palavras duras que lhe dirigira. Sentia-se humilhada
consigo mesmo, mas tinha orgulho por ele. Orgulho por, entre a compaixão e a
honra, ele ter levado a melhor sobre si mesmo. Ela leu vezes sem conta os
elogios que a tia lhe fazia. Não bastavam; mas davam-lhe satisfação. Ela sentia
até mesmo um certo prazer, embora misturado com mágoa, em descobrir como a tia
e o marido se tinham convencido da existência de um amor entre o Sr. Darcy e
ela própria.
Elizabeth foi
arrancada das suas reflexões pela aproximação de alguém.
Levantou-se,
mas, antes de conseguir fugir pelo outro caminho, foi abordada por Wickham.
- Interrompo o
seu passeio solitário, minha querida irmã? - perguntou-lhe ele, acercando-se
dela. - Sentiria, se assim o fosse. Sempre fomos bons amigos. E agora mais do
que nunca.
- É verdade. Os
outros não vêm passear?
- Não sei. A
Sr.a Bennet e Lydia vão no carro a Meryton. Então, minha querida irmã, soube
pelos nossos tios que visitou Pemberley.
Elizabeth
respondeu afirmativamente.
- Quase lhe
invejo tal prazer, e, no entanto, acho que seria demasiado para mim, sem o que
iria até lá no caminho para New Castle. Naturalmente, esteve com a velha
governanta. Pobre Sr.a Reynolds, ela gostava muito de mim! Mas suponho que ela
não tenha falado em mim.
- Falou sim.
- E o que foi
que ela disse?
- Que o senhor
tinha entrado para o exército e que parecia não ter dado grande coisa. Mas,
compreende, a uma tal distância há sempre o perigo de as coisas serem
deturpadas.
- Certamente -
replicou ele, mordendo os lábios.
Elizabeth supôs
que o silenciara, mas pouco depois ele tornou:
- Fiquei muito
espantado por ver Darcy em Londres, quando agora lá estive. Encontrei-o várias
vezes por acaso, na rua. Que andará ele por lá a fazer?
- Talvez
preparando o casamento dele com a Menina de Bourgh - disse Elizabeth. - Terá
com certeza de ter um motivo especial para ir a Londres nesta época do ano.
- Sem dúvida.
Viu Darcy alguma vez, enquanto esteve em Lambton? Se bem me lembro, os Gardiner
falaram-me nisso.
- Sim, ele
apresentou-me à irmã.
- E que achou
dela?
- Gostei muito.
- Com efeito,
ouvi dizer que ela melhorou extraordinariamente nestes últimos dois anos. Da
última vez que a vi, não prometia muito. Alegra-me que tenha gostado dela.
Espero que ela se torne uma senhora verdadeiramente completa.
- Estou certa
disso, pois já passou a idade mais perigosa.
- Visitaram a
aldeia de Kympton?
- Não me lembro.
- Falei nisso,
apenas, porque era essa a paróquia que me estava destinada. Um lugar
encantador! E uma bela casa, também! Convir-me-ia maravilhosamente em todos os
aspectos.
- Pensa que
gostaria de fazer sermões?
- Muito até.
Considerá-los-ia parte do meu dever, e o esforço não seria, assim, tão grande.
Não nos devemos queixar; mas, teria sido um lugar esplêndido para mim! A
tranquilidade daquela vida teria correspondido a todas as minhas ideias de
felicidade! Mas o destino não o quis. Darcy falou-lhe alguma vez sobre o caso,
enquanto esteve em Kent?
- Houve alguém,
que eu considero tão bem informado como ele, que me disse que o presbitério lhe
fora deixado apenas condicionalmente, ao arbítrio do actual proprietário.
- Ah, sim?
Realmente, existe alguma verdade nisso. Aliás, foi o que eu lhe disse desde o
princípio, não se lembra?
- Também me
contaram que, numa certa época da sua vida, a necessidade de fazer sermões não
lhe era tão agradável como actualmente parece ser. Disseram-me, até, que o
senhor desistira de se ordenar; e que, nesse sentido, chegou a haver mesmo um
acordo.
- Ah, ouviu
dizer isso? E não foi sem fundamento. Deve lembrar-se que mencionei também esse
ponto, quando falámos pela primeira vez no assunto.
Estavam quase à
porta de casa, pois Elizabeth caminhara depressa para se ver livre dele.
Não querendo
provocá-lo mais, em atenção pela sua irmã, ela limitou-se a responder-lhe com o
melhor dos sorrisos.
- Acabemos com
isto, Sr. Wickham, agora somos irmãos. Não devemos brigar por causa do passado.
No futuro, espero que estejamos sempre de acordo.
Elizabeth
estendeu-lhe a mão e ele beijou-lha com galante cordialidade, embora não
soubesse que expressão tomar ao entrar em casa.
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