Capítulo 44 - Elizabeth e a Sra Gardiner vistam Georgiana
Convencida agora
de que a antipatia da Menina Bingley era devida ao ciúme, Elizabeth não podia
deixar de antever quão desagradável não seria a sua visita a Pemberley para tal
senhora e sentia uma certa curiosidade em ver até que ponto ela se mostraria
amável no reatar das suas relações.
Ao entrarem em
casa, foram conduzidas, através da sala de entrada, para o salão, que, virado
ao norte, se tornava muito agradável no Verão. Das suas janelas, que se abriam
para o átrio, descortinava-se uma vista encantadora das altas colinas cobertas
de arvoredo e dos belos carvalhos e castanheiros que povoavam o relvado
próximo.
Nesse aposento
foram recebidas pela Menina Darcy e pela senhora com quem ela morava em
Londres; a Sr.a Hurst e a Menina Bingley também se encontravam presentes.
Georgiana recebeu-as com toda a amabilidade, embora na sua atitude
transparecesse aquele embaraço proveniente da sua timidez e do seu medo de
errar, e que poderia facilmente ser tomado por orgulho e reserva pelas pessoas
que lhe eram inferiores.
A Sr.a Gardiner e a sua sobrinha, no entanto, faziam-lhe justiça e tinham pena
dela.
A Sr.a Hurst e a
Menina Bingley limitaram-se a cumprimentá-las de longe com uma pequena vénia de
cabeça; e, quando todas se sentaram, seguiu-se uma pausa embaraçosa durante
alguns minutos, pausa essa que foi quebrada pela Sr.a Ansley, uma senhora muito
gentil e simpática, e que, ao tentar introduzir um assunto de conversação,
provava ser bem mais educada que qualquer das outras duas. Estabeleceu-se uma
conversa entre essa senhora e a Sr.a Gardiner, com o apoio ocasional de
Elizabeth. Quanto à Menina Darcy, parecia desejar apenas um certo encorajamento
para entrar nela, e, por vezes, arriscava uma frase curta, quando parecia não
haver o perigo de ser ouvida.
Elizabeth em
breve percebeu que estava sendo atentamente observada pela Menina Bingley e que
não dizia uma só palavra, especialmente quando se dirigia à Menina Darcy, sem
que a outra não se pusesse à escuta. Tal exame não teria impedido Elizabeth de
procurar estabelecer uma conversa com a Menina Darcy, não fosse esta
encontrar-se a uma distância tão inconveniente dela. Esperava a cada momento a
entrada dos cavalheiros. Desejava, e ao mesmo tempo temia, que o dono da casa
aparecesse entre eles; e não discernia qual dos seus sentimentos era o mais
forte, se o seu desejo ou o seu temor. Após permanecerem deste modo durante um
quarto de hora e sem ouvir a voz da Menina Bingley, Elizabeth teve a sua
atenção despertada por uma fria pergunta que aquela lhe dirigia sobre a sua
família. Ela respondeu com igual indiferença e concisão e a outra nada mais
disse.
O acontecimento
seguinte foi a entrada dos criados, que traziam travessas de carnes frias,
bolos e uma grande variedade das melhores frutas da estação; mas tal só se deu
após muitos olhares significativos e sorrisos da Sr.a Ansley e dirigidos à
Menina Darcy, lembrando-lhe as suas obrigações como dona de casa. Havia agora
ocupação suficiente para o grupo inteiro, pois, embora nem todas pudessem
conversar, todas podiam comer; e as pessoas presentes reuniram-se em volta da
mesa, diante das apetitosas pirâmides de uvas, ameixas e pêssegos.
Assim ocupada,
Elizabeth teve a oportunidade de reflectir se ela realmente temia o
aparecimento do Sr. Darcy ou se, pelo contrário, o desejava; e nessa altura,
embora minutos antes fosse esse o desejo que predominara, começou a recear que
ele aparecesse.
O Sr. Darcy
conservara-se durante algum tempo junto do Sr. Gardiner, que pescava na
companhia de outros dois cavalheiros da casa, mas, ao ser informado de que
Elizabeth e sua tia tinham resolvido fazer uma visita a Georgiana naquela
manhã, ele deixou-os e voltou para casa. Assim que ele fez a sua aparição,
Elizabeth resolveu sensatamente fazer o possível por se mostrar perfeitamente
tranquila e à vontade; resolução essa mais fácil de ser tomada do que de ser
cumprida, pois ela percebeu que a atenção de todo o grupo fora despertada para
ambos e, desde o momento em que ele entrou na sala, todos os olhares se
voltaram para observar a atitude do Sr. Darcy. Porém, em nenhuma fisionomia se
espelhava curiosidade tão forte como na da Menina Bingley, apesar dos seus
derramados sorrisos sempre que se lhe dirigia, pois o ciúme ainda não a fizera
desesperar e de forma alguma desistiria de cumular de atenções o Sr. Darcy. Com
a chegada do irmão, a Menina Darcy fez um esforço ainda maior para conversar; e
Elizabeth percebeu que ele ansiava, que sua irmã a conhecesse melhor,
encorajando todas as tentativas de conversação entre elas. À Menina Bingley tal
atitude também não passou despercebida e, na imprudência da sua cólera,
aproveitou a primeira oportunidade para dizer, com um sarcasmo mal disfarçado:
- É verdade,
Menina Eliza, que o destacamento de milícia foi removido de Meryton? Deverá ter
sido uma grande perda para a sua família.
Na presença de
Darcy ela não ousava pronunciar o nome de Wickham, mas Elizabeth compreendeu
exactamente que era nele que ela estava pensando; e, por instantes, todas
aquelas tristes recordações lançaram-na numa certa confusão; mas, incitando-se
vigorosamente para responder a tão malévolo ataque, ela falou-lhe num tom
sobejamente indiferente. Enquanto falava, lançou um olhar involuntário para
Darcy, e viu que este, com o rosto alterado, olhava fixamente para ela e que a
Menina Darcy, cheia de confusão, mantinha os olhos baixos. Se acaso a Menina
Bingley adivinhasse a perturbação que causaria na sua querida amiga, decerto
teria evitado a alusão; mas a sua intenção fora apenas perturbar Elizabeth,
aludindo a um homem por quem acreditava que ela nutria afeição, obrigando-a a
mostrar uma susceptibilidade que a poderia prejudicar aos olhos de Darcy,
lembrando-lhe todas as loucuras e os absurdos de certos membros da família de
Elizabeth. A Menina Bingley nada sabia a respeito do planejado rapto da Menina
Darcy. Ninguém o sabia, além de Elizabeth; e Darcy desejaria de certo esconder
tal facto da família de Bingley, de acordo com aquela esperança que Elizabeth
desde há muito lhe atribuía de que um dia aquela família se tornasse a de sua
irmã. Ele tinha decerto formado esse plano, e, embora não admitisse que tal
intenção tivesse pesado na sua tentativa de separar o seu amigo da Menina
Bennet, era provável que aumentasse o seu vivo interesse pela vida do seu
amigo.
Contudo, a
atitude digna de Elizabeth em breve acalmou aquela emoção; e como a menina
Bingley, contrariada e desiludida, não ousasse fazer nenhuma alusão mais
directa a Wickham, Georgiana recompôs-se a pouco e pouco, mas não ousou dizer
mais uma palavra. Darcy, cujos olhos Elizabeth temia encontrar, já esquecera
quase por completo o interesse que esta tivera por Wickham, e aquele ataque,
cujo propósito fora afastar os seus pensamentos de Elizabeth, pareceu ter
efeito exactamente contrário.
Pouco depois
terminou a visita; e, enquanto o Sr. Darcy acompanhava as senhoras a carruagem,
a Menina Bingley dava expansão aos seus sentimentos, criticando a pessoa de
Elizabeth, as suas maneiras e o seu traje. Georgina, contudo, não a encorajava.
Bastava-lhe a recomendação do seu irmão. Aos seus olhos, o julgamento dele era
considerado infalível; e Darcy tinha-lhe falado em Elizabeth em termos tão
elogiosos que Georgiana desde logo se dispusera a encontrar nela todos os
encantos e qualidades imagináveis. Quando Darcy voltou ao salão, a Menina
Bingley não se absteve de repetir uma parte do que momentos atrás dissera à
irmã.
- Que mal que
Eliza Bennet vinha, esta manhã - exclamou ela. - Nunca vi uma pessoa mudar
tanto em tão pouco tempo. A sua tez tornou-se tão escura e áspera! Louise e eu
estávamos precisamente dizendo que quase não a reconhecemos.
Por muito que
estas palavras tivessem desagradado ao Sr. Darcy, ele limitou-se a dizer que
não notara nela qualquer alteração, a não ser que se encontrava um pouco
tisnada, facto esse que nada tinha de milagroso numa pessoa que viajava no
Verão.
- Aliás -
continuou a Menina Bingley -; devo confessar que nunca a considerei uma beleza.
O seu rosto é fino demais, a pele não tem uma frescura por aí além e os traços
não são nada bonitos. O nariz é insignificante e não tem nada de distinto nas
suas linhas, e os dentes são razoáveis mas também nada tem de extraordinário.
Quanto aos olhos, que há quem diga que são lindos, também nada lhes encontro de
excepcional. O seu olhar é duro e falso. E das suas maneiras desprende-se uma
vaidade deselegante que eu considero intolerável.
A Menina Bingley
estava persuadida de que Darcy admirava Elizabeth, e aquela não seria,
portanto, a atitude mais adequada para se fazer valer aos seus olhos, mas o
ciúme fazia-a perder as estribeiras. Todo o êxito que obteve foi vê-lo
finalmente um pouco irritado. No entanto, ele permaneceu resolutamente calado.
Decidida a faze-lo falar, ela prosseguiu:
- Lembro-me
perfeitamente de quando a vi pela primeira vez no Hertfordshire, e como nós nos
surpreendemos de que ela tivesse a fama de ser bonita. Recordo-me
particularmente de ouvi-lo a si dizer, certa noite, depois de um jantar para
que foram convidados em Netherfield: «Se ela é bonita, nesse caso a mãe dela é
inteligente.» Mas, a partir daí, parece-me que mudou um pouco de opinião, pois
já o ouvi declarar, uma vez, que a considerava muito bonita.
- Sim - replicou
Darcy, incapaz de se conter por mais tempo -, mas isso foi quando a vi pela
primeira vez, pois há muito tempo já que a considero uma das mulheres mais
belas que conheço.
Ele então
afastou-se, e a Menina Bingley viu-se entregue à satisfação de o ter forçado a
dizer uma coisa que não magoava a ninguém a não ser a ela própria.
No regresso, a
Sr.a Gardiner e Elizabeth conversaram a respeito de tudo o que acontecera
durante a visita, excepto sobre o que as interessava particularmente.
Discutiram a atitude e as palavras de todos, excepto as da pessoa que mais
fortemente havia atraído a sua atenção. Falaram na irmã, nos amigos, na casa,
nas frutas, em tudo, excepto nele próprio. Contudo, Elizabeth ansiava por saber
qual a opinião da Sr.a Gardiner sobre ele; e a Sr.a Gardiner teria ficado muito
satisfeita se Elizabeth tivesse introduzido o assunto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário