Capítulo 43 - Elizabeth conhece Georgiana
Elizabeth combinara com o Sr. Darcy trazer-lhe a irmã a visitá-la logo no dia seguinte ao da sua chegada a Pemberley e decidiu não se afastar da hospedaria durante essa manhã. Porém, a sua conclusão foi falsa, pois logo na manhã seguinte ao da sua chegada a Lambton, surgiram esses visitantes. Elizabeth e seus tios tinham andado passeando pela cidade com alguns dos seus novos amigos e acabavam de regressar à hospedaria, a fim de se vestirem para jantar com a mesma família, quando o ruído de uma carruagem os atraiu a uma janela. Elizabeth imediatamente reconheceu a libré e, compreendendo o que se tratava, participou, com grande surpresa dos seus parentes, a honra que estava esperando. Os seus tios ficaram estupefactos; e, tanto o embaraço de Elizabeth ao comunicar-lhes tal acontecimento como a circunstância em si, acrescida ainda à lembrança das muitas outras coisas do dia precedente, lhes deu uma nova visão do que realmente se passava. Nada o havia sugerido anteriormente, mas sentiam agora não haver outra maneira de explicar as atenções do Sr. Darcy sem supor um interesse dele pela sua sobrinha. Enquanto essas novas ideias lhes atravessavam o pensamento, a perturbação de Elizabeth crescia a cada momento. Ela mesma se surpreendeu com o seu nervosismo. Além de outras inquietações, ela temia que o Sr. Darcy, com a sua parcialidade, houvesse exagerado na apologia da sua pessoa; e, ansiosa como nunca por agradar, desconfiava naturalmente de que todos os seus recursos seriam escassos.
Elizabeth afastou-se
da janela, receando ser vista; e, enquanto caminhava de um lado para o outro,
procurando acalmar-se, reparou nos olhares curiosos dos seus tios, o que
dificultou tudo muito mais.
O Sr. Darcy e a
irmã apareceram, e aquela temível apresentação teve lugar. Com espanto,
Elizabeth percebeu que a sua nova conhecida estava tanto ou mais embaraçada do
que ela. Desde que se encontrava em Lambton, Elizabeth ouvira várias vezes
dizer que a Menina Darcy era extremamente orgulhosa; mas aquele exame de alguns
minutos bastou-lhe para constatar que ela era apenas excessivamente tímida. Foi
muito difícil arrancar dela outras palavras que não fossem simples
monossílabos.
A menina era
alta e mais corpulenta do que Elizabeth, e, embora contasse pouco mais de dezesseis
anos, as suas formas eram bem desenvolvidas e a sua aparência graciosa. Os seus
traços eram menos regulares e belos do que os do irmão, mas transparecia neles
o bom senso e a cordialidade, e os seus modos perfeitamente simples e
delicados. Elizabeth, que receava encontrar nela uma observadora tão perspicaz
e implacável como o Sr. Darcy se mostrara, sentiu-se extremamente aliviada ao
discernir tamanha diferença de feitio.
Poucos momentos
depois de chegar, o Sr. Darcy participou que Bingley também lhe viria
apresentar os seus cumprimentos, e Elizabeth mal tivera tempo de exprimir a sua
satisfação quando ouviu na escada os passos rápidos de Bingley, e, no mesmo
instante, ele surgiu na sala. Há muito que se tinha acalmado todo o
ressentimento de Elizabeth contra ele; e, mesmo que conservasse ainda um resto
daqueles sentimentos, ter-lhe-ia sido impossível resistir à singela
cordialidade com que ele se exprimiu ao tornar a vê-la. Ele perguntou-lhe
delicadamente pela sua família, embora de um modo vago, falando-lhe com a mesma
tranquilidade bem humorada de sempre.
O Sr. e a Sr.a
Gardiner olharam-no também com muito interesse. Há muito que desejavam
conhecê-lo. O grupo todo, aliás, despertava neles a mais viva curiosidade. As
suspeitas que neles brotaram com respeito ao Sr. Darcy e à sobrinha fizeram que
eles os observassem atenta mas reservadamente; e imediatamente chegaram à
conclusão de que um deles, pelo menos, sabia o que era o amor. Quanto aos
sentimentos de Elizabeth, ficaram um pouco na dúvida; mas era evidente que o
jovem tinha por ela uma fervorosa admiração.
Elizabeth, pelo
seu lado, tinha muito que fazer. Queria certificar-se dos sentimentos de cada
um dos visitantes, dominar os seus e tornar-se agradável para todos; e neste
último ponto, acerca do qual eram maiores as suas apreensões, ela podia estar
certa do seu êxito, pois aqueles a quem ela desejava agradar estavam
predispostos em seu favor. Em Bingley encontrou ela a melhor das disposições,
Georgiana ansiava por satisfazê-la e Darcy estava sequioso das suas atenções.
Perante Bingley,
Elizabeth lembrou-se naturalmente de sua irmã; e naquele momento ela teria dado
tudo para saber se os pensamentos dele tinham tomado o mesmo rumo que os seus.
Por vezes ela tinha a sensação de que ele falava menos do que o costume; e
outras vezes parecia-lhe que, ao olhar para ela, ele procurava encontrar no seu
rosto a semelhança de outra pessoa. Mas, embora tudo isto não passasse de pura
imaginação, Elizabeth não se iludia quanto ao comportamento dele para com a Menina
Darcy, na qual certas pessoas tinham esperado encontrar uma rival de Jane. Nem
de um lado nem de outro, um só olhar deixou transparecer qualquer interesse
especial. Nada se passou entre eles que pudesse justificar as perspectivas da
Menina Bingley. Neste ponto ela em breve se satisfez; e, antes de partirem, um
ou dois pequenos factos ocorreram que, segundo a interpretação ansiosa de
Elizabeth, denotavam uma recordação de Jane, não destituída de ternura, e um
desejo de dizer algo mais que poderia conduzir à menção do seu nome, tivesse
ele ousado. O Sr. Bingley observou-lhe, numa dada altura, em que os outros se
encontravam conversando, e num tom que denotava uma certa mágoa, que «há muito
tempo que ele não tinha o prazer de vê-la»; e, antes que ela pudesse
responder-lhe, acrescentou: «Há mais de oito meses. Não nos vemos desde o dia
26 de Novembro, quando nos encontrávamos todos dançando em Netherfield.»
Elizabeth ficou
satisfeita pela precisão da sua memória; e, numa outra altura, ele logrou, sem
ser ouvido pelos outros, perguntar-lhe se «todas» as suas irmãs se encontravam
em Longbourn. A pergunta nada tinha de excepcional, assim como a observação
precedente, mas eram o seu olhar e modos que lhe emprestavam todo o
significado.
Elizabeth não
teve muitas ocasiões de voltar os olhos para o Sr. Darcy, mas, de todas as
vezes que o olhava de relance, surpreendia nele uma expressão de contentamento,
e tudo o que ele dizia era num tom tão diferente da sua antiga altivez e desdém
que Elizabeth se convenceu de que a melhoria nos seus modos que ela presenciara
na véspera, por mais temporária que fosse, demorava pelo menos mais de um dia.
Quando ela o via assim ocupado em procurar a companhia e a boa opinião de
pessoas com as quais ainda há tão poucos dias ele teria julgado desonroso
manter relações, quando o ouvia tratar com a maior amabilidade não só a ela,
Elizabeth, mas aos seus próprios parentes, que ele tão abertamente desdenhara
durante aquela cena no presbitério de Hunsford, a mudança parecia tão radical e
impressionava-a a tal ponto que só com o maior esforço ela conseguia esconder a
sua surpresa. Nunca o vira tão desejoso de agradar, tão livre de orgulhosas e
rígidas reservas como agora, nem mesmo quando na companhia dos seus queridos
amigos de Netherfield, ou no meio dos seus importantes parentes em Rosings.
Os visitantes
permaneceram com eles mais de meia hora; e quando se levantaram para partir, o
Sr. Darcy dirigiu-se à irmã, pedindo-lhe que o secundasse no convite que ele
fazia aos Srs. Gardiner e a Elizabeth para um jantar em Pemberley antes da sua
partida. A Menina Darcy prontamente acedeu ao seu pedido, embora com uma
timidez que revelava o pouco hábito em fazer convites. A Sr.a Gardiner olhou
para a sobrinha, desejosa de saber se Elizabeth, a quem o convite
principalmente se destinava, estava disposta a aceitá-lo, mas ela voltara a
cara. Presumindo, porém, que tal atitude exprimia mais um momentâneo embaraço
do que qualquer desagrado na proposta, e percebendo que o seu marido, que
apreciava a sociedade, estava disposto a aceitar, ela deu o seu consentimento,
e o jantar foi marcado para daí a dois dias.
Bingley exprimiu
então todo o seu prazer em tornar a ver Elizabeth, pois tinha ainda muito que
lhe dizer e perguntas a fazer sobre os seus amigos do Hertfordshire. Elizabeth,
notando nisso o seu desejo de ouvir falar em Jane, ficou satisfeita; e, graças
a isso, assim como a outras coisas, depois de os visitantes partirem, ela
pôs-se a pensar naquela última meia hora com alguma satisfação, embora durante
todo o decurso da visita tivesse sido pequeno o seu prazer. Ansiosa por ficar a
sós e temendo as perguntas e alusões dos seus tios, permaneceu na companhia
destes apenas o tempo necessário para ouvir às suas opiniões favoráveis sobre
Bingley, depois do que os deixou precipitadamente, pretextando ter de se
vestir.
Porém, ela não
tinha razão em temer a curiosidade do Sr. e da Sr.a Gardiner, pois não
desejavam forçar as suas confidências. Tornara-se-lhes evidente que Elizabeth
conhecia o Sr. Darcy muito mais intimamente do que eles tinham suposto; e
percebiam que ele estava muito apaixonado por ela. Sentiam por tudo aquilo um
grande interesse, porém nada que justificasse indagações.
Quanto ao Sr.
Darcy, ansiavam por imaginar as melhores coisas a seu respeito, e, tanto quanto
o conheciam, não encontravam nele qualquer defeito. Não podiam deixar de se
sentir impressionados pela sua delicadeza; e, se fossem ajuizar o seu carácter
pelas suas próprias impressões e pelas informações da governanta, sem qualquer
referência a outro respeito, o circulo de pessoas do Hertfordshire no qual ele
era conhecido não o teria reconhecido como sendo o do Sr. Darcy. Viam agora um
certo interesse em acreditar nas palavras da governanta; e em breve concluíram
que a opinião de uma criada, que o conhecera desde os quatro anos de idade e
cuja aparência era a de uma pessoa digna e respeitável, não poderia ser
sumariamente rejeitada. Os seus amigos de Lambton, por outro lado, nada sabiam
que pudesse diminuir o valor daquele testemunho. De nada o acusavam, a não ser
do seu orgulho. E orgulho, ele tinha-o, certamente; e, mesmo que não o tivesse,
esse defeito ser-lhe-ia de qualquer modo imputado pelos habitantes de uma
pequena cidade provinciana, onde a família não possuía relações. Todos eram
unânimes, no entanto, em ver nele um homem generoso e pródigo para com os
pobres.
Quanto a
Wickham, os visitantes logo descobriram que ele não era muito estimado no
lugar, e, embora nada de preciso se soubesse sobre as suas relações com o filho
do seu protector, era, no entanto, sabido que ao sair do Derbyshire deixara
muitas dividas, que acabaram por ser saldadas pelo Sr. Darcy.
Elizabeth pensou
mais em Pemberley naquela noite do que na precedente; e, embora as horas lhe
parecessem difíceis de passar, não foram suficientes para chegar a uma
conclusão acerca dos seus sentimentos; e ficou duas horas acordada, tentando
ler no seu coração. Certamente não o odiava. Não, o ódio há muito que se
dissipara e há muito também que se envergonhava de ter alguma vez antipatizado
com ele. O respeito que as suas valiosas qualidades lhe inspiravam, embora a
principio admitido com relutância, já há bastante tempo que deixara de repugnar
aos seus sentimentos; e tinha-se agora transformado num sentimento mais
cordial, graças aos testemunhos tão altamente em seu favor e à impressão
favorável que Darcy lhe produzira na véspera. Mas, acima de tudo, para além do
respeito e da estima, encontrava em si mesma um motivo de boa vontade que não
poderia ignorar: era a gratidão. Gratidão não só porque ele a amara, mas porque
ele ainda a amava o bastante para esquecer toda a acrimónia e petulância com
que ela o rejeitara e todas as acusações injustas com que fizera acompanhar
essa rejeição. Ela chegara a persuadir-se de que Darcy, de futuro, a evitaria
como a pior inimiga; e, no entanto, durante aquele encontro acidental, ele
mostrara-se ansioso por reatar relações; e, sem exibir qualquer indelicadeza de
sentimentos ou excentricidade de maneiras, que sugerisse aquilo que lhes dizia
respeito apenas a eles dois, ele procurava angariar a boa opinião dos amigos
dela e insistira para apresentá-la a sua irmã. Uma tal mudança num homem tão
orgulhoso suscitava não só o espanto, como a gratidão - pois só ao amor, e a um
amor ardente, é que ela poderia ser atribuída; e a impressão que sobre ela esse
amor produzia não era de modo algum desagradável, embora não pudesse ser
exactamente definido. Ela respeitava-o, estimava-o, era-lhe grata e sentia um
interesse real pelo seu bem-estar; e quereria apenas saber até que ponto ela
desejava que aquele bem-estar dependesse dela e, para a felicidade de ambos,
até que ponto ela deveria empregar o poder que imaginava ainda possuir em fazer
que ele renovasse as suas atenções.
Ficara decidido
naquela noite, entre tia e sobrinha, que uma delicadeza tão decisiva como
aquela manifestada pela Menina Darcy, em vir visitá-las no dia da sua própria
chegada a Pemberley, deveria ser retribuída por um esforço de cortesia da sua
parte; e decidiram pela conveniência de uma visita a Pemberley na manhã
seguinte. A Elizabeth agradou-lhe a ideia, e, embora perguntasse a si própria o
motivo desse contentamento, não encontrou resposta.
O Sr. Gardiner
deixou-as logo após o pequeno-almoço. O convite para pescar fora renovado no
dia anterior e um encontro fora marcado com alguns dos cavalheiros em
Pemberley, ao meio-dia.
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