quinta-feira, 17 de maio de 2012

Capítulo 41 - Elizabeth em sua viagem


Capítulo 41 - Elizabeth em sua viagem


Se as opiniões de Elizabeth se baseassem no exemplo dado pela sua própria família, a sua ideia de felicidade conjugal e conforto doméstico não seria das mais lisonjeiras. Seu pai, cativado pela vivacidade, beleza e animação que a juventude em geral confere às mulheres, tinha-se casado com uma pessoa cuja mediocridade intelectual e insensatez em breve o impediu de sentir por ela qualquer afeição. O respeito, a estima e a confiança tinham-se desvanecido para sempre; e todos os seus anseios de felicidade doméstica foram destruídos. Contudo, o Sr. Bennet não era desses homens que procuram o lenitivo para as suas desilusões, causadas pelas suas próprias imprevidências, entregando-se a esses prazeres em que os infelizes procuram uma compensação para as suas loucuras e para os seus vícios. Ele gostava do campo e dos livros, e daí tirava as suas principais distracções. Quanto à sua mulher, ele nada lhe devia, para além dos divertidos momentos que o espectáculo da sua ignorância e a sua falta de senso lhe haviam proporcionado. Não é essa a espécie de felicidade que os homens em geral desejam encontrar no casamento, mas, na falta de outros dons, o verdadeiro filósofo contentar-se-á com os poucos que lhe são concedidos.

Elizabeth, no entanto, nunca fora cega aos defeitos de seu pai como marido. Isso sempre lhe doera, mas, admirando as suas qualidades e grata pela maneira afectuosa como ele a tratava, esforçava-se por esquecer o que não lhe podia passar despercebido e banir dos seus pensamentos aquelas contínuas irregularidades de conduta conjugal que, expondo a sua mãe ao desprezo das próprias filhas, era, por conseguinte, altamente repreensível. Porém, nunca, como agora, sentira tão fortemente a ameaça para os filhos dos inconvenientes trazidos por um casal tão pouco unido, nem compreendera antes tão claramente os males que podiam advir de uma defeituosa aplicação de talentos; talentos esses que, bem conduzidos, poderiam proteger a reputação e bom nome de suas filhas, mesmo se não conseguissem alargar a mentalidade de sua esposa.

Após o alívio que lhe causara a partida de Wickham, Elizabeth encontrou menos prazer do que esperava com a partida do próprio destacamento. As reuniões em sociedade eram menos frequentes; e em casa tinha uma mãe e uma irmã cujas contínuas lamentações sobre o tédio da vida que levavam projectavam uma nuvem realmente negra sobre o circulo da família; e, se bem que houvesse a possibilidade de Kitty, com o tempo, vir a atingir o seu grau normal de sensatez, uma vez que tinham sido removidas as causas perturbadoras do seu cérebro, Lydia, cujas tendências eram mais perniciosas, encontrando-se agora num local tão pouco próprio, a um tempo caserna e estância balnear, acentuaria provavelmente os seus defeitos e a sua inconsciência. Em suma, mais uma vez ela se dava conta de que os acontecimentos por elas esperados com tanta impaciência não produziam, ao realizar-se, aquela satisfação tão prometida. Necessitava, portanto, de marcar um outro período para o começo da sua verdadeira felicidade, ter outros pontos de apoio para os seus desejos e esperanças. Presentemente, servir-lhe-ia de consolo e prazer antecipar futuras felicidades. A sua viagem aos Lagos, por exemplo, constituía agora o objecto dos seus pensamentos mais felizes. Era o seu refúgio para os momentos desagradáveis que o descontentamento de Kitty e de sua mãe tornavam inevitáveis; e, para tornar o seu plano perfeito, só faltava incluir Jane.

«Mas ainda bem que tenho alguma coisa a desejar», pensava ela, «pois, se tudo no meu plano fosse perfeito, a decepção seria mais que certa. Sendo assim, levando comigo uma fonte de contínua tristeza, a saudade de minha irmã, poderei de certo modo esperar que todas as minhas expectativas de prazer se realizem. Um plano perfeito nunca tem realização.»
Lydia, na hora da partida, prometera escrever frequente e detalhadamente a sua mãe e a Kitty; mas essas cartas, longamente esperadas, eram sempre muito curtas. Nas que escrevia à Sr.a Bennet, pouco mais lhe dizia do que terem acabado de regressar da biblioteca, onde tais e tais oficiais as haviam acompanhado e onde tinham visto trajes de enlouquecer; ter comprado um vestido novo ou uma nova sombrinha que ela desejaria descrever com mais detalhes, mas não podia, pois a Sr.a Forster acabara precisamente de a chamar para irem dar um passeio para os lados do acampamento. As cartas para Kitty não eram muito mais esclarecedoras, embora mais longas; grande parte do sentido vinha contido entre as linhas.

Após três semanas de ausência de Lydia, a saúde, o bom humor e a alegria recomeçaram a aparecer em Longbourn. Tudo tomou um aspecto mais agradável. As famílias que tinham ido passar o Inverno a Londres começaram a regressar e reiniciaram-se os divertimentos de Verão. A Sr.a Bennet voltou à sua exuberância habitual e, no meio de Julho, Kitty havia melhorado tanto que já lhe era possível entrar em Meryton sem verter uma lágrima, acontecimento deveras promissor que deu a Elizabeth a esperança de que no próximo Natal ela tivesse juízo suficiente para não mencionar sequer o nome de um oficial mais de uma vez por dia, a não ser que, por uma ordem maliciosa e cruel do Departamento de Guerra, outro destacamento viesse acampar para Meryton.

A data fixada para a sua digressão pelo Norte aproximava-se rapidamente. Faltavam apenas quinze dias, quando chegou uma carta da Sr.a Gardiner, que não só adiava a partida, como abreviava a duração do passeio. Os negócios impediam o Sr. Gardiner de sair de Londres até quinze dias depois da data marcada e obrigavam-no a regressar dentro de um mês. Esse período não daria para irem tão longe quanto planejaram e impediria, pelo menos, que visitassem tudo com o vagar e o conforto que haviam planejado. Viam-se, desse modo, obrigados a desistir de vez dos Lagos. Urgia fazer um circuito mais reduzido. De acordo com o novo plano, não iriam para além do Derbyshire. Naquele condado havia muito que ver e que daria para preencher as três semanas de que dispunham. Para a Sr.a Gardiner, tal plano possuía um encanto particular; considerava aquela região, onde ela passara alguns anos da sua vida, tão digna de atenção quanto a célebre região dos Lagos.

Elizabeth ficou extremamente desapontada. Desejava ardentemente ver os Lagos e achava que teriam tempo suficiente para isso. Não tinha, porém, outra alternativa senão contentar-se, e em breve a sua decepção passou.

Muitas ideias se associavam a esse condado do Derbyshire. Era-lhe impossível ler a palavra sem pensar em Pemberley e no seu proprietário. «Mas decerto», pensou ela, «poderei penetrar naquela região e espraiar por ela os meus olhos, sem que ele dê por mim.»

O período de espera fora agora duplicado. Ela teria ainda de esperar quatro semanas até à chegada dos seus tios. Essas semanas, porém, em breve passaram, e o Sr. e a Sr.a Gardiner apareceram finalmente em Longbourn, acompanhados dos quatro filhos. As crianças, duas raparigas de seis e oito anos de idade e dois rapazes mais novos, ficariam entregues aos cuidados da prima Jane, que era a sua grande favorita. O seu bom senso, doçura e génio pareciam destiná-la à missão de cuidar das crianças.

Os Gardiner ficaram apenas uma noite em Longbourn e partiram na manhã seguinte com Elizabeth, em busca de aventuras. Um prazer, pelo menos, lhe estava garantido: o de ter bons companheiros de viagem, saudáveis e empreendedores para suportar os pequenos contratempos, bem humorados para realçar todos os prazeres e afectuosos e inteligentes de modo a sugerirem novas distracções, caso deparassem com decepções no caminho.

Não constitui objectivo desta obra fazer a descrição do Derbyshire, nem dos vários locais famosos por que passaram. Oxford, Blenheim, Warwich, Kenilworth, Birmingham, etc., são suficientemente conhecidos. Apenas uma pequena parte do Derbyshire nos interessa, a cidade de Lambton, onde a Sr.a Gardiner residira e para onde eles se dirigiram. Descobrira recentemente que ainda ali se encontravam alguns dos seus velhos conhecidos e aí Elizabeth soube, pela tia, que Pemberley se encontrava situada a cinco milhas de distância. Para lá chegar teriam de fazer um pequeno desvio de duas milhas. Na véspera, ao conversarem sobre o itinerário, a Sr.a Gardiner tornou a manifestar o seu desejo de rever a propriedade. O Sr. Gardiner concordou e perguntaram a Elizabeth se ela aprovava a ideia.

- Minha querida, não gostarias de ver esse lugar de que tanto ouviste falar? - disse-lhe a tia. - Um lugar onde muitos dos teus conhecidos já moraram. Wickham passou ali a sua mocidade, como sabes.

Elizabeth ficou embaraçada. Ela não sentia qualquer interesse em ver Pemberley e foi obrigada a manifestar a sua pouca disposição. Declarou que estava cansada de ver grandes casas e, após percorrer tantas, já não encontrava prazer nos belos tapetes ou cortinas de cetim.

A Sr.. Gardiner zombou da sua ingenuidade.

- Se Pemberley fosse apenas uma casa ricamente mobiliada, também eu não teria grande empenho em ir; mas o parque é lindo e os bosques são dos mais belos do país.

Elizabeth não respondeu, mas intimamente não concordava. Imediatamente lhe ocorrera a possibilidade de encontrar o Sr. Darcy enquanto visitava o local, e isso seria horrível. A simples ideia a fazia corar. Talvez fosse preferível contar tudo à tia do que correr um tal risco. Mas havia objecções. Decidiu, por fim, não hesitar a recorrer a tais meios, caso as indagações particulares que fizessem lhe revelassem a presença da família em Pemberley.

Nesta ordem de ideias, à noite, quando se retirou para se deitar, perguntou à criada se era verdade que Pemberley era um local muito bonito, qual era o nome do proprietário e, com íntimo alarme, se a família ali se encontrava a passar o Verão. Felizmente, a última pergunta foi-lhe respondida na negativa; e, cessada a causa das suas inquietações, ela sentiu agora grande curiosidade em ver a casa. Quando o assunto de novo foi abordado no dia seguinte e novamente lhe perguntaram a sua opinião, ela respondeu, prontamente e com ar de indiferença, que não punha objecções ao plano.


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