quinta-feira, 17 de maio de 2012

Capítulo 40 - Lydia é convidada para ir à Brighton


Capítulo 40  

Lydia é convidada para ir à Brighton


A primeira semana desde o regresso delas em breve passou e uma segunda começou. Era a última da estada do destacamento em Meryton, e todas as jovens das redondezas definhavam de desgosto. A melancolia era quase geral. Apenas as duas mais velhas da família Bennet conseguiam ainda comer, beber, dormir e passar o seu tempo da forma habitual. Frequentemente eram acusadas de insensibilidade por Kitty e Lydia, cujo desgosto era profundo, e não compreendiam a indiferença em qualquer membro da família.

- Meu Deus! Que vai ser de nós? Em que nos vamos nós ocupar? - exclamavam elas amarguradamente. - Como te podes tu mostrar tão sorridente, Lizzy?

A Sr.a Bennet, que era uma mãe afectuosa, compartilhava da tristeza das filhas. Ela recordava-se do que sofrera há vinte e cinco anos atrás, numa situação idêntica.

- Compreendo-as perfeitamente - dizia ela -, chorei durante dois dias seguidos quando o regimento do coronel Miller partiu. Pensei morrer de desgosto.

- Creio bem que é o que me irá acontecer - disse Lydia.

- Se ao menos pudéssemos ir até Brighton! - observou a Sr.a Bennet.

- Oh!, sim!, se ao menos pudéssemos ir até Brighton! Mas o pai é um desmancha-prazeres.

- Alguns banhos de mar restabelecer-me-iam para sempre.

- E a tia Philips disse que uma mudança de ares me faria muito bem - acrescentou Kitty.

Tais eram as lamentações que constantemente se ouviam em Longbourn. Elizabeth procurava rir-se delas, mas a sua vergonha roubava-lhe todo o prazer. Ela apercebia-se de novo da justiça das objecções do Sr. Darcy; e nunca antes se sentira tão disposta a perdoar a sua interferência na vida do amigo.

Porém, as sombrias perspectivas de Lydia em breve foram
dissipadas, pois a Sr.a Forster, a mulher do coronel do destacamento, convidou-a para acompanhá-la a Brighton. Essa inestimável amiga era bastante jovem e estava casada há muito pouco tempo. A boa disposição e a frivolidade de ambas recomendara-as uma à outra e após três meses de relações tinham-se tornado íntimas.

O êxtase de Lydia, a sua adoração pela Sr.a Forster, a alegria da Sr.a Bennet e a mortificação de Kitty eram impossíveis de descrever. Inteiramente indiferente aos sentimentos da irmã, Lydia corria pela casa expandindo a sua enorme felicidade, exigindo as congratulações de todos, rindo e falando com uma estridência maior do que o costume; e, enquanto isso, a desafortunada Kitty permanecia na sala, lamentando o seu destino em termos despropositados e numa voz ressentida.

- Não compreendo por que não me convidou a Sr.a Forster também a mim - dizia ela. - Embora eu não seja tão íntima dela, tenho tanto direito em ser convidada como Lydia, e mais até, pois sou dois anos mais velha.


Em vão Elizabeth procurou incutir-lhe sentimentos mais sensatos e Jane maior resignação. Quanto a Elizabeth, esse convite estava longe de lhe produzir os mesmos sentimentos que em sua mãe e Lydia, pois ela considerava-o como uma espécie de sentença de morte para todas as possibilidades de sua irmã vir um dia a ter algum bom senso; e apesar da repugnância que tal caso lhe inspirava, não hesitou em aconselhar confidencialmente seu pai a não a deixar ir. Chamou-lhe a atenção para todas as impropriedades da conduta de Lydia e para as poucas vantagens que lhe poderiam advir da intimidade com uma mulher como a Sr.a Forster e para a probabilidade de Lydia se tornar ainda mais imprudente na companhia de tal pessoa e num lugar onde as tentações seriam maiores que em casa. Após ouvi-la atentamente, ele respondeu-lhe:

- Lydia não descansará enquanto não lhe acontecer alguma; e nunca ela encontrará melhor ocasião para fazer uma tolice como a actual, em que não dará despesas ou trabalho à família.

- Se o senhor se desse conta - disse Elizabeth - dos grandes inconvenientes que o comportamento leviano de Lydia, em público, nos pode trazer, ou melhor, que já nos trouxe, encararia a questão de modo diferente.

- Já vos trouxe? - repetiu o Sr. Bennet. - Será que ela já afugentou algum dos teus apaixonados? Minha pobre Lizzy!
Mas não desanimes. Esses jovens difíceis, que não suportam a proximidade de um pouco de absurdo, não são dignos de consideração. Vamos, dá-me a lista dos pobres coitados que foram postos em fuga pelas tolices de Lydia.

- Está enganado, meu pai. Não tenho desgostos desses a lamentar. Não é de dissabores particulares, mas de inconvenientes que eu me queixo. A nossa reputação é necessariamente afectada pela leviandade, a imprudência e o desprezo de Lydia por qualquer restrição, características do seu carácter. Perdoe-me, mas preciso falar claramente. Se não for o pai a dar-se ao trabalho de reprimir a excessiva exuberância dela e a fazer-lhe ver que as suas actuais ocupações não constituem a essência da vida, em breve perderá a possibilidade de alguma vez a corrigir. O seu carácter está-se definindo e aos dezesseis anos ela só pensará em namorar, cobrindo-se a si mesma e à família de ridículo. E, quando falo em namorar, refiro-me a coisa bem pior, sem que ela não tenha outros atractivos que não sejam a sua juventude e boa aparência. A sua ignorância e futilidade torná-la-ão incapaz de vencer o desprezo geral que o seu apetite imoderado de admiração há-de provocar. Kitty corre o mesmo perigo também. Ela acompanhará de olhos fechados os passos de Lydia. Vaidosa, ignorante, ociosa e absolutamente descontrolada! Oh!, meu querido pai, como pode supor que elas não sejam censuradas e desprezadas em qualquer lugar que apareçam e que as suas irmãs não se vejam frequentemente envolvidas no seu desprezo?

O Sr. Bennet percebeu a profunda ansiedade da filha, e, tomando-lhe afectuosamente a mão, respondeu:

- Não te preocupes demasiado, meu amor. Onde quer que tu e Jane apareçam, serão sempre respeitadas e apreciadas; e não serão menos admiradas por terem duas, ou, melhor, três irmãs bastante tolas. Se Lydia não for a Brighton, não teremos um momento de sossego nesta casa. Deixemo-la ir, portanto. O coronel Forster é um homem sensato e tomará precauções para que nada de mal lhe aconteça. Felizmente, ela é suficientemente pobre para não se tornar num objecto de grandes cobiças. Em Brighton ela passará mais despercebida do que aqui. Os oficiais não deixarão de encontrar raparigas mais dignas de atenção. Esperemos, pois, que a sua estada lhe sirva de lição e lhe faça ver qual a sua verdadeira insignificância. De qualquer modo, ela nunca poderá piorar a sua conduta muito mais, sem que nos autorize a fechá-la em casa para o resto da vida.

Elizabeth foi obrigada a contentar-se com tal resposta; mas a sua opinião continuava inabalável e deixou seu pai, desanimada e triste. Contudo, não estava na sua natureza remoer os seus desgostos, tornando-os assim ainda maiores.
Bastava-lhe o consolo de ter cumprido o seu dever; e inquietar-se com males inevitáveis ou aumentá-los pela ansiedade era atitude que não combinava com o seu feitio.

Se Lydia e sua mãe tivessem alguma vez sabido da conversa que Elizabeth tivera com o Sr. Bennet, toda a sua volubilidade conjunta não seria suficiente para exprimir a indignação que as possuiria. Na imaginação de Lydia, uma visita a Brighton compreendia todas as possibilidades de felicidade terrena. Ela via, com o olhar criador da ficção, as ruas daquela alegre cidade balneária repletas de oficiais. Imaginava-se o centro de atenção de dezenas e centenas deles. Via todo o esplendor do acampamento militar, as barracas estendendo-se em belas filas regulares, povoadas de jovens alegres e resplandecentes nos seus belos uniformes; para completar a cena, via-se a si mesma sentada sob uma dessas barracas, namorando, pelo menos, seis oficiais ao mesmo tempo.

Se ela tivesse sabido que a sua irmã procurara arrancá-la a tais perspectivas e realidades como essas, qual não teria sido a sua indignação? Ela apenas poderia ser compreendida por sua mãe, cujos sentimentos se assemelhariam aos seus. A ida de Lydia a Brighton era a única coisa que a consolava da certeza melancólica de que o seu marido não tencionava também ir.

Mas viviam na ignorância do que se passara; e os seus êxtases continuaram com pequenos intervalos, até ao dia da partida de Lydia.

Elizabeth veria, então, o Sr. Wickham pela última vez. Tendo-o encontrado, desde o seu regresso, frequentemente em sociedade, a sua agitação acalmara-se um pouco; quanto às emoções da sua antiga preferência, elas tinham-se desvanecido por completo. Conseguia, mesmo, distinguir uma certa afectação e monotonia nas próprias gentilezas que a princípio a tinham deliciado. Além disso, na conduta actual de Wickham para com ela Elizabeth encontrava uma nova fonte de contrariedade, pois a vontade que ele manifestava em renovar aquelas atenções, que tinham caracterizado os primeiros tempos das suas relações, agora, após tudo o que se passara, apenas serviam para a irritar ainda mais. Ela acabou por perder todo o respeito por ele, ao ver-se assim escolhida como objecto de tão fúteis galanteios. E, enquanto os repelia com firmeza, não podia deixar de sentir a censura implícita na convicção de Wickham de que, quaisquer que tivessem sido as causas que tinham feito cessar as atenções para com ela, e por maior que tivesse sido o período de tempo em que o fizera, a vaidade de Elizabeth seria gratificada e a sua preferência reconquistada no momento em que quisesse renovar as suas gentilezas.

No último dia em que o destacamento permaneceu em Meryton, Wickham jantou em Longbourn, juntamente com outros oficiais. Elizabeth estava tão pouco disposta a deixá-lo partir impune que, quando Wickham se quis informar de como ela passara o seu tempo em Hunsford, respondeu-lhe que o coronel Fitzwilliam e o Sr. Darcy -tinham passado três semanas em Rosings e perguntou-lhe se acaso conhecia o primeiro.

Ele pareceu-lhe deveras surpreendido e alarmado; mas, após alguns minutos de concentração, respondeu-lhe, sorrindo, que outrora se encontrara frequentes vezes com ele; e, depois de observar que ele era um autentico cavalheiro, perguntou se Elizabeth simpatizara com ele. Ela deu lhe uma resposta calorosamente afirmativa. Com ar de perfeita indiferença, pouco depois ele acrescentou:

- Quanto tempo disse que eles passaram em Rosings?

- Perto de três semanas.

- E viu-o com frequência?

- Sim, praticamente todos os dias.

- As suas maneiras diferem bastante das de seu primo.

- Sim, bastante. Mas sou agora de opinião de que o Sr. Darcy ganha muito em ser conhecido.

- Sim!? - exclamou Wickham, com um olhar que não escapou a Elizabeth. - E poderei perguntar... - mas, refreando-se, ele acrescentou em tom mais alegre: - Terá sido na maneira de falar que ele melhorou? Ter-se-á dignado a introduzir um pouco de cortesia no seu estilo habitual? Pois não ouso esperar - continuou ele num tom mais baixo e grave - que ele tenha melhorado no essencial.

- Oh!, não! - disse Elizabeth - Quanto ao essencial, creio bem que ele continua exactamente como sempre foi.

Enquanto ela falava, Wickham, pela sua expressão, parecia hesitar se haveria de se mostrar alegre pelas suas palavras ou desconfiar do sentido das mesmas. Notava qualquer coisa no rosto de Elizabeth que o obrigava a seguir as palavras dela com ansiosa atenção. Elizabeth acrescentou:

- Quando eu disse que ele ganhava em ser conhecido, não queria com isso dizer que o seu espírito, nem tão-pouco as suas maneiras, estavam em vias de aperfeiçoamento, mas que, graças a um conhecimento mais íntimo, o seu carácter se tornava mais compreensível.

A inquietude de Wickham transparecia agora no rubor que lhe subira ao rosto e no seu olhar pouco tranquilo. Durante alguns minutos não pronunciou palavra, e, finalmente, vencendo o seu embaraço, voltou-se de novo para Elizabeth e disse-lhe, em tom muito grave:

- A menina, que conhece tão bem os meus sentimentos para com o Sr. Darcy, compreenderá decerto quanto eu me alegro por o ver assumir, pelo menos, a aparência de justiça. Nesse sentido o orgulho dele prestar-lhe-á o melhor dos serviços, senão para ele próprio, pelo menos para os outros, pois o impedirá de cometer tão flagrantes injustiças como as de que eu fui objecto. Temo somente que essas precauções, às quais a menina acaba de aludir, sejam apenas adoptadas durante as visitas a casa de sua tia, por cuja opinião e julgamento ele nutre o maior respeito. O temor que a sua tia lhe inspira sempre actuou nele, quando se encontram juntos, e grande parte se deve atribuir ao desejo que ele tem de favorecer o seu projectado casamento com a Menina de Bourgh, que ele há muito tempo acaricia.

Elizabeth não pôde deixar de sorrir, mas respondeu apenas com um ligeiro aceno de cabeça. Compreendeu que ele desejava arrastá-la para o assunto das suas mágoas e não estava disposta a tolerá-lo. Durante o resto da noite, Wickham procurou mostrar-se alegre e despreocupado como sempre, mas cessou todas as suas atenções para com Elizabeth. Separaram-se com mútua cortesia e possivelmente com o desejo igual de nunca mais se encontrarem.

Quando chegou a hora de as visitas se retirarem, Lydia regressou com a Sr.a Forster para Meryton, de onde partiriam no dia seguinte, logo de madrugada. A separação dela do resto da família foi mais ruidosa do que patética. Kitty foi a única que chorou, mas as suas lágrimas eram de humilhação e inveja. A Sr.a Bennet mostrou-se prolífica nos seus desejos de felicidade para a filha e eloquente nas suas incitações para que ela não perdesse uma oportunidade de se divertir, conselho este que, como tudo levava a crer, seria seguido fielmente; e, no meio do clamor com que Lydia exprimia a sua felicidade, os adeuses menos ruidosos das irmãs quase não foram ouvidos.

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