Capítulo 37
Elizabeth vai embora de Hunsford
Sábado de manhã, Elizabeth e o Sr. Collins encontraram-se à hora do pequeno-almoço, momentos antes de os outros aparecerem; e ele aproveitou a oportunidade para apresentar as suas despedidas com toda a formalidade que ele julgava indispensável.
- Não sei,
Menina Elizabeth - proferiu ele -, se a Sr.a Collins já teve a ocasião de lhe
exprimir a gratidão pela visita que nos fez; mas estou certo de que não deixará
esta casa sem receber todos os seus agradecimentos. Asseguro-lhe que o
privilégio da sua companhia foi muito apreciado. Temos consciência dos
reduzidos atractivos que a nossa humilde habitação possa possuir. A nossa vida
simples, a exiguidade das dependências, o pequeno número dos criados e o pouco
que vemos do mundo devem tornar Hunsford extremamente aborrecido para uma jovem
como a menina. Espero, contudo, que acreditará que tenhamos feito tudo em nosso
poder para passar o seu tempo da forma mais agradável e que não duvidará da
nossa gratidão pela sua condescendência.
Elizabeth
respondeu, exprimindo-lhe os seus calorosos agradecimentos e assegurando-lhe
que tinha passado uma temporada muito feliz. Tinham sido seis semanas muito
agradáveis; e o prazer de estar com Charlotte, assim como as numerosas atenções
de que ela fora alvo, faziam que fosse ela quem devesse mostrar-se reconhecida.
O Sr. Collins ficou satisfeito, e, sorrindo, replicou com solenidade:
- Sinto enorme
alegria por saber que não passou o seu tempo de forma desagradável. Fizemos
tudo o que estava ao nosso alcance; e tivemos a felicidade de ter podido
apresentá-la à mais alta sociedade. Graças às nossas relações com Rosings,
tivemos a oportunidade de variar frequentemente a humilde cena doméstica, e
creio podermo-nos gabar de lhe termos proporcionado assim uma visita a Hunsford
pouco enfadonha. A nossa situação relativamente à família de Lady Catherine é
realmente uma dessas extraordinárias vantagens de que poucos se podem gabar.
Viu a intimidade que temos e os convites frequentes que recebemos. Na verdade,
é preciso reconhecer que, apesar de todos os inconvenientes deste humilde
presbitério, os seus hóspedes não são de modo algum objecto de compaixão, desde
o momento em que compartilham da nossa intimidade com Rosings.
As palavras eram
insuficientes para traduzir a elevação dos seus sentimentos; e, na sua
agitação, ele pôs-se a caminhar de um lado para o outro na sala, enquanto
Elizabeth procurava, em frases curtas, servir simultaneamente a delicadeza e a
verdade.
- Creio que
poderá levar consigo para o Hertfordshire um relato muito favorável a nosso
respeito, minha cara prima - continuou ele. - Estou certo de que possui, pelo
-menos, todos os meios para isso. Presenciou as atenções com que quase
diariamente Lady Catherine cumula a Sr.a Collins; e espero que se tenha tornado
evidente que a sua amiga não fez mal ao... mas sobre este ponto prefiro guardar
o meu silêncio. Permita-me apenas, minha querida Menina Elizabeth, que lhe
deseje do fundo do coração uma felicidade igual no casamento. A minha adorável
Charlotte e eu só temos um espírito e um pensamento. Existe sob todos os
aspectos, entre nós, uma notável semelhança de carácter e de ideias. Tudo
indica que nascemos um para o outro.
Elizabeth pôde
afirmar que era essa uma grande felicidade e com igual sinceridade acrescentou
que ela acreditava firmemente na sua harmonia domestica, com o que muito se
alegrava. Não a contrariou, contudo, ter sido interrompida no seu discurso pela
entrada da pessoa cuja felicidade comentavam. Pobre Charlotte! Era triste deixá-la
só em tal companhia. No entanto, era necessário reconhecer que ela escolhera de
olhos abertos; e, embora aparentasse uma certa tristeza por as ver partir, não
parecia querer solicitar a sua compaixão. A casa, as tarefas domésticas, a
paróquia, a sua criação de aves de capoeira e tudo o mais ainda não haviam
perdido o seu encanto. Finalmente, a carruagem chegou, as malas foram
amarradas, os embrulhos levados para o interior e a partida anunciada. Depois
de afectuosa despedida, Elizabeth foi conduzida até à carruagem pelo Sr.
Collins, e, enquanto atravessavam o jardim, este encarregou-a de transmitir os
seus mais respeitosos cumprimentos a toda a sua família, não esquecendo os seus
agradecimentos pelas atenções que recebera em Longbourn quando ali estivera e
as suas saudações para o Sr. e a Sr.a Gardiner, embora não tivesse o prazer de
os conhecer. Então, ele ajudou-a a subir para a carruagem. Maria imitou-a, e a
porta estava a ponto de ser fechada quando, de súbito, ele lembrou que elas se
tinham esquecido de deixar qualquer mensagem para as senhoras de Rosings.
- Naturalmente -
acrescentou ele - desejarão que eu transmita os vossos humildes respeitos, com
os vossos mais cordiais agradecimentos, pela bondade de que foram objecto
enquanto aqui permaneceram?
Elizabeth não
pôs objecção; a porta pôde ser finalmente fechada e a carruagem afastou-se.
- Meu Deus! -
exclamou Maria, após alguns minutos de silêncio. - Parece que chegamos ontem,
e, no entanto, quanta coisa não sucedeu!
- Muita coisa,
de facto - concordou Elizabeth, com um suspiro.
- Jantamos nove
vezes em Rosings, além das duas vezes que lá fomos tomar o chá. O que eu tenho
para contar! E Elizabeth,
interiormente, acrescentou: «E o que eu tenho para esconder!»
A viagem
decorreu praticamente em silêncio e sem qualquer incidente. Quatro horas depois
de terem saído de Hunsford chegaram a casa do Sr. Gardiner, onde deveriam
passar alguns dias.
Jane parecia de
perfeita saúde e Elizabeth não teve oportunidade de observar as verdadeiras
disposições de sua irmã, graças aos vários divertimentos que a sua tia tivera a
bondade de organizar para elas. Mas Jane regressaria com ela e em Longbourn
teria a ocasião de a observar mais detidamente. Não foi sem esforço, no
entanto, que ela esperou até Longbourn para contar à irmã a resposta do Sr.
Darcy. Sabia ter em seu poder a possibilidade de fazer uma revelação que não só
causaria grande assombro em Jane como despertaria agradavelmente em si o resto
de vaidade que lhe restava. Era uma tentação a que nada se poderia opor, senão
o estado de indecisão em que ela se encontrava sobre o número exacto de factos
que deveria revelar e o medo de ter de repetir certas coisas a respeito de
Bingley que poderiam ferir Jane ainda mais.
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