Capítulo 32
Elizabeth descobre que foi o Sr. Darcy quem separou Jane do Sr. Bingley
Mais de uma vez, durante os seus passeios pelo parque, Elizabeth teve a surpresa de se encontrar com o Sr. Darcy. Ela sentia a perversidade do acaso, que o trazia onde ninguém mais costumava aparecer; e, para impedir que tal incidente voltasse a ocorrer, ela teve o cuidado de desde logo o informar de que aquele era o seu passeio favorito. Achou muito estranho, portanto, que o acaso se repetisse segunda vez, e até terceira. Parecia o efeito de uma vontade maléfica, ou então de uma voluntária mortificação, pois nessas ocasiões o Sr. Darcy não se limitava a balbuciar simples perguntas de cortesia e, após embaraçada pausa, afastar-se, como retrocedia na direcção tomada e a acompanhava. Ele pouco falava e Elizabeth não se dava ao trabalho de escutá-lo com muita atenção; mas da terceira vez ele fez-lhe perguntas estranhas e desconexas - sobre o prazer de estar em Hunsford, o gosto que ela parecia encontrar naqueles passeios solitários e a opinião dela sobre a felicidade do casal Collins; e, quando falavam em Rosings e no facto de ela não compreender muito bem o espírito naquela casa, ele parecia dar a entender que quando ela voltasse ao Kent ela residiria ali também. As palavras empregues por ele pareciam não admitir outra interpretação. Estaria ele a pensar no coronel Fitzwilliam? Elizabeth supôs que, se acaso se tratasse de uma indirecta, seria esse o sentido mais provável. Ficou um pouco perturbada e deu graças a Deus por naquele momento se encontrarem próximo do portão do presbitério.
Certo dia em que
Elizabeth, no seu passeio habitual, se encontrava relendo a última carta de
Jane, especialmente determinado trecho em que Jane se mostrava mais deprimida,
viu, ao levantar os olhos, que se encontrava diante do coronel Fitzwilliam, e
não do Sr. Darcy, como ela tinha suposto. Guardando imediatamente a carta e
forçando um sorriso, disse:
- Ainda nunca o
tinha visto por estes lados.
- Estava dando a
volta ao parque - replicou ele -, como geralmente faço todos os anos, e
tencionava encerrá-la com uma visita ao presbitério. Tenciona continuar?
- Não, eu ia já
voltar.
E, dizendo isto,
ela tomou a direcção oposta e juntos tomaram o caminho do presbitério.
- Está mesmo
decidido a deixar o Kent no sábado? - perguntou-lhe Elizabeth.
- Sim, a menos
que Darcy torne a adiar a partida. Mas estou ao seu inteiro dispor e ele que
decida como bem entender.
- E acaso não
seja do seu inteiro agrado o programa, terá sempre, pelo menos, o maior prazer
em exercer a faculdade de escolha. Não conheço ninguém que pareça ter tanto
prazer em fazer as suas vontades como o Sr. Darcy.
- Tem razão, ele
gosta bastante de fazer o que quer - replicou o coronel Fitzwilliam. - Como
todos nós, aliás. Só que ele tem meios para se dar a tal luxo, pois ele é rico
e os outros, na sua maioria, são pobres. Falo com sinceridade. Na minha
qualidade de filho mais novo, como sabe, tenho de estar preparado para o
sacrifício e a obediência.
- Na minha
opinião, o filho mais novo de um nobre nunca se familiarizará de mais com tais
aspectos da vida. Diga-me, seriamente, que sabe o senhor a respeito de
sacrifício e obediência? Quando foi o senhor impedido, por falta de dinheiro,
de se locomover livremente ou de obter coisas que desejava?
- Isso são
perguntas de carácter privado, e talvez eu não possa dizer que tenha
experimentado muitas dificuldades dessa ordem. Porém, em assuntos de maior
importância, é possível que eu sofra pela falta de dinheiro. Os filhos mais
novos nem sempre se podem casar segundo as suas inclinações.
- A não ser que
simpatizem com mulheres de fortuna, o que não é raro.
- O hábito que
temos de gastar dinheiro torna-nos dependentes demais e são poucos aqueles que
em situação idêntica à minha se aventuram a casar sem considerar a questão
monetária.
«Estará ele a
pensar em mim?», lembrou-se Elizabeth, que corou com a ideia; mas,
dominando-se, disse, num tom alegre: - E, diga-me, qual o preço habitual para o
filho mais novo de um nobre? A não ser que o irmão mais velho seja muito
doente, não creio que possam exibir para além de cinquenta mil libras.
Ele
respondeu-lhe no mesmo tom e o assunto morreu. Para interromper um silêncio que
poderia fazer crer ao coronel que ela se sentira de qualquer modo afectada pelo
que se passara, Elizabeth disse, pouco depois:
- Imagino que o
seu primo o tenha trazido consigo apenas com o intuito de ter alguém à sua
disposição. Sendo assim, não percebo por que não se casa. Teria, desse modo, o
problema resolvido. Mas talvez a irmã, de momento, preencha esses requisitos,
pois ela está inteiramente ao seu cuidado e ele pode fazer com ela o que
quiser.
- Não - disse o
coronel Fitzwilliam -, é essa uma vantagem que ele tem de partilhar comigo.
Exerço juntamente com ele a tutela da Menina Darcy.
- Ah, sim?
Diga-me, que espécie de tutores são os senhores? A vossa tutela dá-lhes muito
trabalho? As jovens da idade dela são, por vezes, difíceis de levar, e, se ela
possui o verdadeiro espírito dos Darcy, deve ser voluntariosa.
Enquanto assim
falava, Elizabeth reparou que ele a olhava seriamente, e, pela maneira como ele
lhe perguntou, pouco depois, porque supunha ela que a Menina Darcy lhes pudesse
causar preocupações, ficou convencida de que andara próximo da verdade. Ela
imediatamente respondeu:
- Não se
assuste. Nunca ouvi nada de mal a respeito dela; e tenho-a na conta de uma das
pessoas mais maleáveis do mundo. Conheço duas senhoras que a apreciam bastante,
a Sr.a Hurst e a Menina Bingley. Creio que já o ouvi dizer que as conhece
também.
- Conheço-as
vagamente. O irmão delas é um cavalheiro muito simpático e bem educado. É um
grande amigo de Darcy.
- Oh!, sim -
disse Elizabeth, secamente -, o Sr. Darcy é invulgarmente atencioso para com o
Sr. Bingley e tem com ele um cuidado realmente prodigioso.
- Cuidado com
ele! Sim, não me custa a acreditar. Darcy cuida e vela por ele, sobretudo nas
situações mais delicadas e que exigem cautela. Por qualquer coisa que ele me
contou na nossa viagem para cá, tenho razões para pensar que Bingley deve muito
a Darcy. Contudo, ele terá de me desculpar, pois não tenho o direito de supor
que Bingley seja o protagonista dessa história. É uma simples conjectura.
- Que quer dizer
com isso?
- É uma coisa
que Darcy não desejará com certeza que se espalhe, pois, se chegasse aos
ouvidos da família da rapariga, seria bastante desagradável.
- Pode ter a
certeza de que nada direi a tal respeito.
- E lembre-se de
que não estou absolutamente certo de que isto se passe realmente com Bingley. O
que ele me contou foi apenas o seguinte: que ele se felicitava a si mesmo por
ter salvo um amigo dos inconvenientes de um casamento dos mais imprudentes, mas
não mencionou nome ou quaisquer detalhes, e eu suspeitei de que se tratasse de
Bingley apenas porque o tenho na conta de um desses rapazes capazes de se meterem
em tais apuros e porque sei que eles estiveram juntos todo o Verão passado.
- E o Sr. Darcy
expôs os motivos dessa interferência?
- Compreendi que
havia objecções muito fortes contra a rapariga.
- E que
artifícios empregou ele para separá-los?
- Ele não me pôs
a par da manobra - disse Fitzwilliam, sorrindo. - Apenas me disse o que acabei
de lhe contar.
Elizabeth não respondeu e continuou a caminhar, o coração repleto de indignação. Após observá-la durante alguns instantes, Fitzwilliam perguntou-lhe porque estava tão pensativa.
- Estava a
pensar no que me contou. A conduta do seu primo não se coaduna com os meus
sentimentos. Por que se achou ele no direito de julgar?
- Parece estar
disposta a considerar inoportuna a atitude dele.
- Não vejo com
que direito o Sr. Darcy pode decidir da legitimidade das inclinações do amigo,
ou, baseado apenas no seu julgamento, determinar de que maneira aquele amigo
poderá ser feliz. Mas - continuou ela, voltando a si -, como não temos qualquer
conhecimento das circunstâncias, não é justo condená-lo. Decerto não terá
havido grande amor no caso.
- A suposição
não é improvável - disse Fitzwilliam -, porém, diminui bastante o triunfo do
meu primo.
Estas palavras
foram ditas em tom de gracejo; mas a Elizabeth pareceram retrato tão fiel de
Darcy que achou mais prudente calar-se, á fim de não se trair na sua resposta;
e, mudando abruptamente de assunto, falaram de coisas indiferentes até chegarem
ao presbitério. Uma vez aí e fechada no seu quarto, mal o visitante a deixou,
pôde pensar sem interrupção sobre tudo o que ouvira. Não havia dúvida de que se
tratava da sua família. Não poderiam existir no mundo dois homens sobre os
quais o Sr. Darcy exercesse um domínio tão absoluto. Que ele influíra nas
medidas adoptadas para separar o Sr. Bingley de Jane, nunca ela pusera em
causa; mas sempre atribuíra à Menina Bingley a iniciativa do plano e a parte
mais importante da execução. Se a sua vaidade não o iludira, o Sr. Darcy
era, pelo seu orgulho e capricho, a causa de tudo o que Jane tinha sofrido. Ele
arruinara por algum tempo todas as esperanças de felicidade para o coração mais
afectuoso e mais generoso do mundo; e ninguém poderia prever quão duradouro era
o mal por ele infligido.
«Havia fortes
objecções contra a rapariga», tais tinham sido as palavras do coronel
Fitzwilliam; e essas fortes objecções eram, provavelmente, o facto de ela ter
um tio advogado na província e outro comerciante em Londres.
«Contra a
própria Jane», exclamou ela, «não poderia haver qualquer possibilidade de
objecção. Toda ela é doçura e bondade! É inteligente, educada e as suas
maneiras são cativantes. Nada têm contra meu pai, tão-pouco, que, embora um
pouco excêntrico, tem qualidades que nem o Sr. Darcy pode desdenhar, acrescidas
de uma respeitabilidade que ele provavelmente nunca alcançará.» Porém, quando
pensou na mãe, a sua confiança declinou um pouco; mas não admitia que quaisquer
objecções nesse campo pesassem aos olhos do Sr. Darcy, cujo, estava ela
convencida, seria mais facilmente atingido pela insignificância dos parentes do
amigo do que pela falta de senso dessas mesmas pessoas; e, por fim, ela decidiu
que o Sr. Darcy se deixara levar em parte pelo seu desmedido orgulho e em parte
pelo desejo de guardar o Sr. Bingley para sua irmã.
A agitação e as
lágrimas que o assunto provocou trouxeram a Elizabeth uma dor de cabeça que,
agravando-se pela tarde e aliada à sua aversão pelo Sr. Darcy, a impediram de
acompanhar seus primos a Rosings, onde deviam ir tomar chá. A Sr.a Collins,
vendo que ela realmente não estava bem, não insistiu e poupou-a à própria
insistência do Sr. Collins, que, apesar de tudo, não escondia a sua apreensão
de Lady Catherine se mostrar aborrecida por Elizabeth ficar em casa.
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