Capítulo 30
Elizabeth em casa de Lady Catherine
Os modos do
coronel Fitzwilliam foram muito apreciados no presbitério e todas as senhoras
foram unanimes em como ele contribuiria consideravelmente para alegrar os
jantares em Rosings. No entanto, alguns dias passaram antes que recebessem novo
convite pois, havendo visitas em casa, eles não eram tão necessários; e só nó
Domingo de Páscoa, quase uma semana depois da chegada dos cavalheiros, foram
honrados com tal prova de atenção, que lhes foi dirigida à saída da igreja e os
convocava a passar apenas a tarde com a família. Durante essa semana raramente
tiveram a ocasião de ver Lady Catherine ou sua filha. O coronel Fitzwlliam
visitou várias vezes o presbitério, mas o Sr. Darcy apenas foi avistado na
igreja.
O convite foi,
naturalmente, aceite, e, a uma hora apropriada, eles reuniram-se ao grupo que
já se encontrava no salão de Lady Catherine. Esta recebeu-os amavelmente, mas
era evidente que a companhia deles não lhe agradava tanto como nos dias em que
não tinha mais ninguém. Lady Catherine deixava-se, com efeito, absorver pelos
seus sobrinhos, e com eles falava, sobretudo com Darcy, mais do que com
qualquer outra pessoa na sala.
O coronel
Fitzwilliam parecia realmente encantado por os ver. Em Rosings, tudo o que
apresentasse novidade era bem-vindo para ele e a atraente amiga da Sr.a Collins
não deixara de o impressionar. Ele procurou um lugar junto dela e falou-lhe tão
agradavelmente sobre Kent, Hertfordshire, viagens, livros e música que
Elizabeth sentiu nunca se ter divertido tanto naquele salão; e a conversa de
ambos decorria tão animada e distraída de tudo o resto que em breve atraiu a
atenção de Lady Catherine, bem como a do Sr. Darcy. Os olhos deste volveram
repetidas vezes naquela direcção, com uma expressão de curiosidade; e dentro em
pouco se tornou evidente que Lady Catherine partilhava dos sentimentos do
sobrinho, pois, sem reservas, ela exclamou:
- Que diz,
Fitzwilliam? De que estão vocês a conversar? O que conta à Menina Bennet? Quero
saber o que é.
- Estamos a
falar de música, minha senhora - disse ele, quando não pôde mais evitar uma
resposta.
- De música!
Então fale em voz alta. É, de todos os assuntos, o meu preferido. Se estão
realmente a falar de música, quero tomar parte na conversa. Creio que existem
poucas pessoas em Inglaterra que apreciem música tanto como eu, ou que tenham
um gosto para ela mais natural do que o meu. Se acaso a tivesse aprendido
convenientemente, seria uma grande intérprete. E Anne igualmente, se a sua
saúde o tivesse permitido. Estou certa de que ela tocaria divinalmente.
Georgiana tem feito muitos progressos, Darcy?
O Sr. Darcy
louvou afectuosamente o talento de sua irmã.
- Fico muito
satisfeita com o que me conta - disse Lady Catherine -; e diga-lhe, da minha
parte, que ela só poderá brilhar se estudar com afinco.
- Pode estar
certa, minha senhora - replicou ele -, de que ela não precisará de tal
conselho. Ela estuda e pratica com muita regularidade.
- Tanto melhor.
Nunca será de mais; e, quando lhe tornar a escrever, recomendar-lhe-ei para que
não descuide a prática do piano. É constantemente que repito às jovens que
nenhuma distinção poderá ser alcançada na música sem uma prática constante. Por
várias vezes disse à Menina Bennet que ela nunca chegará a tocar realmente bem
se não se dedicar mais ao instrumento; e, uma vez que o Sr. Collins "não
possui piano em casa, torno a renovar o meu convite para diariamente vir a
Rosings exercitar-se no piano, no quarto da Sr.a Jenkinson. Naquela parte da
casa, ela não correrá o risco de incomodar alguém.
O Sr. Darcy
pareceu um pouco envergonhado com a grosseria de sua tia e nada respondeu.
Depois do café,
o coronel Fitzwilliam lembrou a Elizabeth a promessa que ela lhe fizera em
tocar para ele; e ela imediatamente se dirigiu para o piano. Ele aproximou a sua
cadeira. Lady Catherine ouviu metade de uma canção e de novo reatou a conversa
com o seu outro sobrinho; mas este em breve se afastou dela e, resolutamente,
dirigiu-se para o piano, colocando-se de maneira a obter uma visão perfeita do
rosto da bela executante. Elizabeth teve consciência da sua presença e, na
primeira pausa, voltou-se para ele e disse-lhe, com um sorriso malicioso:
- É para me
assustar, Sr. Darcy, que se aproximou com toda essa imponência? Mas eu não
ficarei alarmada, embora sua irmã toque tão bem. Existe em mim uma ousadia que
a vontade dos outros é incapaz de intimidar. Nesses momentos a minha coragem
não se faz ignorada.
- Não lhe direi
que está enganada - replicou ele -, pois nunca a menina poderia realmente
acreditar que eu tivesse a intenção de a alarmar. Tenho o prazer de a conhecer
já há bastante tempo para saber que gosta ocasionalmente de exprimir opiniões
que de facto não são as suas.
Elizabeth riu
com gosto da imagem que ele dela oferecia e disse para o coronel Fitzwilliam:
- O seu primo
dar-lhe-á uma bela ideia a meu respeito e ensiná-lo-á a não acreditar numa
palavra do que eu digo. É infortúnio meu encontrar a pessoa capaz de expor aos
outros o meu verdadeiro caracter num lugar onde eu acalentara a esperança de
deixar uma boa impressão. Realmente, Sr. Darcy, é uma falta de generosidade da
sua parte mencionar aqui tudo o que sobre as minhas fraquezas descobriu no
Hertfordshire. Considero, além disso, a sua atitude muito pouco delicada, pois
me incita a represálias. Receio dizer coisas que escandalizem os seus parentes,
- Não tenho medo
de si - disse ele, sorrindo.
- Oh, deixe que
eu ouça as acusações que tem para lhe fazer - exclamou o coronel Fitzwilliam. -
Gostaria de saber como ele se comporta entre estranhos.
- Eu lho
direi... mas prepare-se para ouvir coisas horríveis. A primeira vez que o vi em
Hertfordshire, foi num baile. E, nesse baile, que pensa o senhor que ele fez?
Dançou apenas quatro danças! Sinto muito ter de magoá-lo, mas É a verdade.
Ele dançou
apenas quatro danças, embora os cavalheiros fossem escassos; e, de meu
conhecimento, mais de uma rapariga ficou sentada por falta de par. Sr. Darcy, o
senhor não pode negar tal facto.
- Na altura não
tinha a honra de conhecer outras raparigas presentes no salão, para além das do
meu próprio grupo.
- É verdade; e
ninguém pode ser apresentado a outro num salão de baile. Bem, coronel
Fitzwilliam, que devo eu tocar em seguida? Os meus dedos esperam ordens suas.
- Talvez - disse
Darcy - eu devesse ter solicitado uma apresentação, mas considero-me mal
qualificado para me recomendar pessoalmente a pessoas estranhas.
- Deveremos nós
perguntar a seu primo qual a explicação para tal atitude? - disse Elizabeth,
dirigindo-se sempre ao coronel Fitzwilliam. - Deveremos nós perguntar-lhe por
que razão um homem bem educado e sensato e que tem a experiência do mundo se
considera mal qualificado para se recomendar a pessoas estranhas?
- Posso
responder à sua pergunta - disse Fitzwilliam - sem ter de o consultar. É porque
ele não está para se dar a esse trabalho.
- O que é certo
é que não tenho o talento que muita gente possui - disse Darcy - de dirigir
facilmente a palavra a pessoas que nunca vi anteriormente. Não sou capaz de
entrar no estilo de conversa, ou fingir-me interessado nos problemas dos
outros, como frequentemente vejo acontecer.
- Os meus dedos
- disse Elizabeth - não se movem sobre este instrumento de modo tão magistral
como os de muitas mulheres. Eles não têm a mesma força e a mesma rapidez, nem
possuem a mesma força de expressão; mas disso eu me culpo só a mim, pois nunca
me dei ao trabalho de praticar. Não é que acredite que os meus dedos sejam
inferiores aos de qualquer outra mulher.
Darcy sorriu e
disse:
- Tem toda a
razão. Empregou o seu tempo muito melhor. Nenhum dos que terão tido o
privilégio de a ouvir poderão apontar qualquer erro. Nenhum de nós executa para
estranhos.
Aqui foram
interrompidos por Lady Catherine, que quis saber sobre o que conversavam.
Elizabeth imediatamente recomeçou a tocar. Lady Catherine aproximou-se e, após
ouvir durante alguns momentos, disse para Darcy:
- A Menina
Bennet não tocaria nada mal se praticasse mais e pudesse gozar as lições de um
mestre londrino. Ela articula bem, mas não com tanta expressão como Anne. Anne
seria uma pianista notável, se a sua saúde o permitisse.
Elizabeth olhou
para Darcy, para ver como ele acolhia aquele elogio a sua prima; mas nem
naquele momento nem em qualquer outra altura ela discerniu o mais leve sintoma
de amor; e, pela atitude geral do Sr. Darcy, Elizabeth chegou à conclusão, de
certo modo consoladora para a Menina Bingley, de que, fosse ela também sua
prima, e as probabilidades de casar com ele seriam as mesmas.
Lady Catherine
continuou com as suas observações sobre a execução de Elizabeth, alternando-as
com conselhos sobre a técnica e a expressão. Elizabeth acatou-os paciente e
amavelmente; e, a pedido dos cavalheiros, permaneceu ao piano até a carruagem
de Lady Catherine ser chamada, para os conduzir a casa.
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