quinta-feira, 17 de maio de 2012

Capítulo 24 - Sr. e Sra. Gardiner em casa do Sr. Bennet


Após uma semana passada em promessas de amor e esquemas de felicidade, o Sr. Collins foi arrebatado à companhia da sua adorável Charlotte pela chegada de sábado. A dor da separação seria nele, contudo, aliviada pelos preparativos para a recepção da sua noiva, pois não era infundadamente que alimentava a esperança de, no seu próximo regresso a Hertfordshire, ver finalmente fixado o dia que o tornaria no mais feliz dos mortais. Despediu-se dos seus parentes de Longbourn com tanta solenidade como anteriormente; às formosas primas renovou os seus votos de um futuro feliz e próspero e ao pai delas prometeu uma outra carta de agradecimento.

Na segunda-feira seguinte, a Sr.a Bennet teve o prazer de ver chegar o seu irmão e a mulher, que, como de costume, vinham para passar o Natal em Longbourn. O Sr. Gardiner era um homem sensato e distinto, consideravelmente superior à irmã, tanto por natureza como por educação. As senhoras de Netherfield ver-se-iam em sérios embaraços para acreditar que um homem que, como ele, vivia do comércio e à vista dos seus próprios armazéns pudesse mostrar-se tão bem educado e agradável no seu trato. Quanto à Sr.a Gardiner, vários anos mais nova que a Sr.a Bennet e a Sr.a Philips, tratava-se de uma : ,mulher extremamente simpática, inteligente e elegante, e era especialmente apreciada pelas sobrinhas de Longbourn. Às duas mais velhas dedicava ela, contudo, uma ternura particular, levando-as frequentemente a passar longas temporadas em sua casa, na capital.

A primeira ocupação da Sr.a Gardiner à chegada foi distribuir os seus presentes e descrever os últimos gritos da moda. Quando as viu satisfeitas, declarou chegada a sua vez de escutar. A Sr.a Bennet tinha várias queixas a fazer e muito que se lamentar. A desgraça imperava naquela casa desde a última vez que estivera com a cunhada. Com duas filhas a ponto de casar, vira as suas esperanças desvanecer-se como que por encanto.

- Não censuro a Jane - continuou ela -, pois Jane teria apanhado o Sr. Bingley, se ela o pudesse. Mas Lizzy! Oh!, irmã!, como é penoso pensar que a estas horas ela poderia ser a mulher do Sr. Collins, não fosse ser tão obstinada. Ele propôs-se-lhe nesta mesma sala e ela recusou-o. O resultado de tudo isto é que Lady Lucas vai casar uma filha primeiro do que eu e que os bens de Longbourn continuam tão vinculados como dantes. Os Lucas são gente de muita manha. Desunham-se para conseguir os seus intentos. Custa-me falar deles assim, mas é a pura verdade. Põe-me fora de mim ser contrariada na minha própria família e ter vizinhos que velam pelos seus interesses na ignorância total dos de todos os outros. Enfim, a vossa chegada numa altura como esta traz-nos grande conforto e alegra-me particularmente o que me conta, sobretudo o que diz respeito às mangas compridas.

A Sr.a Gardiner, para quem todos estes acontecimentos não constituíam novidade, graças à correspondência mantida com Jane e Elizabeth, respondeu superficialmente à cunhada e, em atenção pelas duas sobrinhas, mudou o rumo à conversa.

Quando, mais tarde, se encontrou a sós com Elizabeth, abordou mais detalhadamente o assunto.

- Tudo indicava tratar-se de um casamento desejável para Jane disse ela. - Tenho pena que não tenha ido avante. Mas isso acontece com tanta frequência! É tão vulgar um jovem, como esse Sr. Bingley que me descrevestes, apaixonar-se como do pé para a mão por uma rapariga bonita e, após algumas semanas e quando o acaso os separa, esquecê-la com a mesma facilidade.

- Não deixa de ser uma excelente consolação - disse Elizabeth -; contudo, não nos serve. Não foi o «acaso» que interveio em nosso desfavor. Não é com frequência que a intervenção de amigos consegue persuadir um jovem abastado a esquecer uma rapariga por quem ainda há tão poucos dias estava violentamente apaixonado.

- Mas essa expressão «violentamente apaixonado» está tão vulgarizada, é tão duvidoso e indefinido o seu significado que ela pouco me diz. Aplica-se, geralmente, mais aos sentimentos que brotam numa meia hora de conhecimento que a um afecto sincero e duradouro. Diz-me, qual a «violência« do amor do Sr. Bingley?

- Nunca me foi dado deparar com inclinação mais promissora; ele quase não atendia as outras pessoas, pois só tinha olhos para ela. Cada vez que se encontravam, a atracção dele por ela parecia mais evidente e decidida. No seu próprio baile ele ofendeu duas ou três meninas por não as ter convidado para dançar; e por duas vezes eu lhe dirigi a palavra sem conseguir obter resposta. Podem haver sintomas mais optimistas? Não é a distracção daquilo que nos rodeia a própria essência do amor?

- Oh!, sim!... daquela espécie de amor que eu julgo ter sido o dele. Pobre Jane. Lastimo-a porque, com o feitio dela, não se recomporá tão cedo. Seria preferível teres sido «tu» a protagonista, Lizzy; deitarias tudo mais facilmente para trás das costas. Achas que a conseguiremos convencer a partir connosco? Uma mudança de ares talvez a ajude... e é importante, também, que ela saia daqui de casa.

Elizabeth regozijou-se com a proposta da tia e mostrou-se persuadida de que a irmã acederia a ela com prontidão.

- Espero - acrescentou a Sr.a Gardiner - que não a vá influenciar qualquer consideração a respeito desse jovem. Vivemos em locais tão apartados na capital, damo-nos com pessoas tão diferentes e, como sabes, saímos tão pouco que não é provável que eles se encontrem, a não ser que ele a vá visitar.

- E «isso» é praticamente impossível, pois ele encontra-se agora sob a custódia do amigo, e o Sr. Darcy nunca lhe permitiria ir visitar Jane a tal local de Londres! Minha querida tia, que ideia a sua! O Sr. Darcy talvez conheça de nome a Rua Gracechurch, mas entrar nela significaria para ele um mês, pelo menos, de abluções, de modo a libertá-lo de todas as impurezas; e pode estar certa de que o Sr. Bingley não dará um passo sem ele.

- Tanto melhor. Espero que não se encontrem, visto isso. Mas não se corresponde Jane com a irmã dele? «Ela« não deixará de a visitar.

- Ela ignorá-la-á, pura e simplesmente.

Mas, apesar do tom decidido com que Elizabeth proferiu tal certeza, assim como aquela outra de Bingley vir a ser impedido de se avistar com Jane, ela sentia uma certa ansiedade, que, após reflexão, a convenceu de não estar assim tão certa delas. Era possível, provável até, que o afecto dele tivesse ocasião de ser reanimado e a influência dos seus amigos desafiada e vencida pela influência mais cultural dos atractivos de Jane.

A Menina Bennet aceitou com prazer o convite da tia; e não dedicava na altura qualquer outro pensamento a Bingley que não fosse na sua esperança de poder passar uma manhã na companhia de Caroline sem correr o risco de o encontrar, visto não estarem a viver na mesma casa.

Os Gardiner permaneceram em Longbourn uma semana, que, com a cooperação dos Philips, dos Lucas e dos oficiais, decorreu fértil em compromissos. A Sr.a Bennet providenciara tão cuidadosamente para o entretenimento do irmão e da cunhada que não se sentaram uma vez só para um jantar verdadeiramente em família. Quando ficavam em casa, havia sempre alguns oficiais convidados, e, entre eles, Wickham nunca faltava; e nestas ocasiões a Sr.a Gardiner, que os calorosos elogios de Elizabeth a respeito dele tinham posto de sobreaviso, dedicava uma atenção especial a ambos. Embora, pelo que lhe fora dado observar, nada a fizesse supor que eles estivessem seriamente apaixonados, a preferência de um pelo outro era suficientemente evidente para lhe causar uma certa preocupação, pelo que resolveu ter uma conversa com Elizabeth antes de deixar o Hertfordshire e mostrar-lhe a sua imprudência ao encorajar tal amor.

Para com a Sr.a Gardiner, dispunha o Sr. Wickham, à parte de todas as suas outras possibilidades, de um recurso próprio a proporcionar-lhe um certo prazer. Há cerca de dez ou doze anos atrás, quando ainda solteira, passara um período considerável da sua vida naquela mesma região do Derbyshire, da qual ele provinha. Tinham, por conseguinte, vários amigos em comum; e, embora Wickham raramente lá tivesse ido desde a morte do pai do Sr. Darcy, ou seja, há mais de cinco anos, ele tinha para lhe oferecer sobre esses amigos notícias mais frescas que aquelas que ela alguma vez conseguira.

A Sr.a Gardiner visitara Pemberley e conhecera muito bem, de reputação, o falecido Sr. Darcy. Tal coincidência proporcionou, consequentemente, um inesgotável assunto de conversa, e, ao comparar as suas recordações de Pemberley com a descrição minuciosa que Wickham lhe oferecia, assim como ao render homenagem ao caracter do seu último possessor, ela não só o estava deliciando, como também ela própria se comprazia em fazê-lo. Quando a informaram da atitude do actual Sr. Darcy para com o Sr. Wickham, a Sr.a Gardiner tentou recordar-se de algo relacionado com a reputada disposição daquele cavalheiro e que condissesse com ela, acabando por afirmar que se lembrava vagamente de ter ouvido falar do Sr. Fitzwilliam Darcy como tratando-se, na altura, de um rapazinho muito orgulhoso e de bastante mau gênio.

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