quinta-feira, 17 de maio de 2012

Capítulo 22 - Sr. Collins novamente em casa do Sr. Bennet


Capítulo 22 

Sr. Collins novamente em casa do Sr. Bennet





Elizabeth encontrava-se na sala, junto de sua mãe e de suas irmãs, reflectindo no que ouvira e hesitando se acaso estaria autorizada a mencioná-lo, quando entrou Sir William Lucas em pessoa, enviado pela filha a participar o noivado. Cumprimentando-as calorosamente e felicitando-se pela perspectiva de uma ligação entre as duas famílias, revelou o objectivo da sua visita, perante uma audiência não apenas surpreendida, como sobretudo incrédula; pois a Sr.a Bennet, com uma perseverança maior do que a delicadeza o permitia, sustentava que ele devia estar redondamente enganado, e Lydia, sempre irreflectida e frequentemente descortês, exclamava desabridamente:

- Meu Deus! Sir William, que história é essa? Então não sabe que o Sr. Collins pretende casar com Lizzy?

Nada, que não ser a complacência de um cortesão, teria suportado imperturbável tal tratamento; mas a boa educação de Sir William não o abandonou; e, embora ele lhes pedisse licença para as assegurar da veracidade da sua informação, foi com estóica cortesia que prestou ouvidos a toda a sua impertinência.

Elizabeth, então, sentindo-se chamada a libertá-lo de situação tão desagradável, adiantou-se e confirmou o relato, referindo o conhecimento prévio que dele obtivera da própria Charlotte; e tentou pôr cobro às exclamações de sua mãe e de suas irmãs congratulando sinceramente Sir William, no que foi prontamente secundada por Jane, e fazendo uma série de observações quanto à felicidade que seria de esperar de tal união, ao caracter do Sr. Collins e à distância adequada a que Hunsford se encontrava de Londres.

A Sr.a Bennet ficara, com efeito, profundamente afectada para conseguir pronunciar-se durante o tempo em que Sir William ali permaneceu; mas, mal ele as deixou, os seus sentimentos imediatamente afluíram em catadupa. Primeiro, ela persistia em não acreditar em tudo aquilo; segundo, jurava que o Sr. Collins tinha sido pura e simplesmente apanhado; terceiro, tinha a certeza de que eles nunca seriam felizes os dois; e quarto, desejaria que o noivado se rompesse. Porém, de tudo isto extraía duas conclusões; uma delas, que Elizabeth era a causadora de todo o mal; e a outra, que ela própria fora barbaramente tratada por todos eles; e sobre estes dois pontos ela discorreu incansavelmente durante o resto do dia. Nada havia que a consolasse ou, mesmo, a tranquilizasse. E o seu ressentimento não se apagou com o dia. Uma semana decorreu antes que ela pudesse encarar Elizabeth sem lhe dirigir inflamadas repreensões; um mês passou antes que ela conseguisse falar para Sir William ou Lady Lucas sem se mostrar grosseira; e vários meses transcorreram antes que ela tivesse perdoado totalmente a sua filha.

As emoções do Sr. Bennet pela ocasião eram de índole bem diversa, e, após tê-las experimentado, classificou-as nada menos do que bastante agradáveis; pois consolava-o, disse ele, descobrir que Charlotte, que ele tinha na conta de uma rapariga sensata, era, afinal, tão estouvada como sua mulher e mais estouvada que sua filha!

Jane confessou-se um pouco surpreendida com o noivado, mas dedicou menos palavras ao seu espanto que ao desejo sincero de os ver felizes; e nem mesmo Elizabeth a conseguiu convencer de tal improbabilidade. Kitty e Lydia estavam longe de invejar a sorte da Menina Lucas, visto o Sr. Collins não passar de um pastor; e no assunto outro interesse não viam, senão pelo facto de se tratar de um belo mexerico a espalhar em Meryton.

Lady Lucas não era insensível ao triunfo de poder dar réplica à Sr.a Bennet sobre o conforto de ter uma filha bem casada; e as suas visitas a Longbourn sucediam-se com uma frequência maior do que a habitual, embora a expressão carrancuda da Sr.a Bennet e os comentários desagradáveis que ela não se abstinha de fazer bastassem para afugentar toda a alegria.

Entre Elizabeth e Charlotte subsistia um constrangimento que as impedia de tocar no assunto entre si; e Elizabeth estava persuadida de que a amizade que um dia as unira nunca mais voltaria a ser a mesma. A desilusão sofrida com Charlotte fê-la voltar-se com um carinho redobrado para sua irmã, sobre cuja rectidão e delicadeza ela sabia poder contar e por cuja felicidade ela se inquietava cada vez mais, pois já decorrera uma semana depois que Bingley partira e ainda nada se sabia sobre o seu regresso.

Jane respondera prontamente à carta de Caroline e contava os dias à espera de novas noticias dela. A prometida carta de agradecimento do Sr. Collins chegou na terça-feira, dirigida ao pai das raparigas e escrita com toda a solenidade e gratidão que a estada de um ano no seio da família teria inspirado. Após ter satisfeito a sua consciência neste capítulo, prosseguiu na sua missiva, informando-os, com expressões verdadeiramente arrebatadoras, da sua felicidade em ter conquistado a afeição da tão simpática vizinha, a Menina Lucas, e aproveitando o ensejo para explicar que fora apenas pensando no prazer da companhia dela, que ele aderira tão entusiasticamente ao simpático desejo de o tornarem a ver em Longbourn, onde ele contava chegar da próxima segunda-feira a quinze dias; pois Lady Catherine, acrescentava ele, aprovava tão calorosamente o seu casamento que o desejava ver realizado quanto antes, o que ele considerava argumento irrefutável junto da sua adorável Charlotte e que a levaria a fixar o dia que o tornaria no mais feliz dos mortais.

O regresso do Sr. Collins a Hertfordshire deixou de constituir um motivo de prazer para a Sr.a Bennet. Pelo contrário, ela sentia-se tão inclinada a lastimá-lo como o seu próprio marido. Não via por que razão haveria ele de escolher Longbourn em vez da casa dos Lucas; e, além da inconveniência que era, causava-lhe um transtorno dos demónios. Detestava albergar estranhos enquanto a sua saúde se mantinha tão periclitante, e, da humanidade inteira, os apaixonados eram quem ela menos suportava. Tais eram as amáveis murmurações da Sr.a Bennet, que apenas cediam perante a aflição da prolongada ausência do Sr. Bingley.

Tanto Jane como Elizabeth se sentiam pouco à vontade sobre tal assunto. Dia após dia; o tempo passava sem que trouxesse outras notícias dele, que não fosse o rumor, que em breve correu em Meryton, de que ele não regressaria no Inverno a Netherfield; rumor este que conduzia a Sr.a Bennet ao paroxismo da raiva, e o qual ela nunca deixava de contradizer, classificando-o como uma escandalosa mentira.

A própria Elizabeth se achou receando, não que Bingley fosse indiferente, mas que as suas irmãs tivessem conseguido o seu intento em mantê-lo afastado. Embora fosse com relutância que admitia ideia tão destrutiva da felicidade de Jane e tão desonrosa para a constancia do seu apaixonado, era com frequência que ela lhe ocorria ao espírito. Os esforços unidos das duas insensíveis irmãs e do amigo tão subjugador poderiam, ela temia, assistidos pelos atractivos da Menina Darcy e os divertimentos de Londres, ser demasiados para a intensidade do seu amor.

Quanto a Jane, a «sua» ansiedade perante tal incerteza era, naturalmente, mais dolorosa do que a de Elizabeth; mas, o que quer que fosse que ela sentisse, vivia a escondê-lo, pelo que entre ela e a irmã não se pronunciava uma palavra sobre o assunto. Porém, como delicadeza idêntica não habitava sua mãe, raramente passava uma hora sem que ela falasse de Bingley, exprimisse a sua impaciência pelo regresso dele e forçasse Jane a reconhecer que, se ele não o fizesse dentro em breve, ela deveria sentir-se ultrajada. Tais ataques requeriam da parte de Jane toda a docilidade do seu carácter, de modo a suportá-los com uma tranquilidade razoável.

O Sr. Collins regressou, muito pontualmente, na segunda-feira anunciada por ele, mas a sua recepção em Longbourn não decorreu com a espontaneidade da visita anterior. De qualquer modo, era suficientemente intensa a sua felicidade para não sentir a falta de outras atenções; e, felizmente para a família, aquele entusiasmado namoro aliviava-os quase totalmente da sua companhia. Com efeito, passava os dias em casa dos Lucas, e, por vezes, reaparecia em Longbourn apenas a tempo de desculpar-se pela sua ausência, antes de a família se retirar para passar a noite.

A Sr.a Bennet encontrava-se realmente num estado lastimável. Qualquer alusão ao casamento a prostrava numa agonia de mau humor, e, onde quer que ela fosse, tinha a certeza de não ir ouvir falar noutra coisa. A visão da Menina Lucas era odiosa para ela. Como sua sucessora naquela casa, ela encarava-a com invejosa aversão. Sempre que Charlotte as visitava, ela julgava-a antecipando a hora da posse; e, sempre que a via cochichando ao ouvido do Sr. Collins, convencia-se de que conferenciavam sobre os bens de Longbourn e estavam decidindo expulsá-la, a ela e às filhas, daquela casa, mal o Sr. Bennet se passasse. De tudo isto ela fez queixas amarguradas ao marido.

- Na verdade, Sr. Bennet - disse ela -, é doloroso pensar que Charlotte Lucas será um dia a dona desta casa, que eu serei forçada a afastar-me por sua causa e que viverei para a ver ocupar o meu lugar aqui.

- Então, minha querida, não se deixe arrastar por pensamentos tão melancólicos. Esperemos por coisas melhores. Alimentemos a esperança de que eu sobreviva à senhora.

Tal perspectiva não consolava a Sr.a Bennet, pelo que, em lugar de lhe responder, continuou:

-Não suporto pensar que eles terão tudo isto. Se não fosse a existência do vinculo, eu não me importaria.

- Não se importaria com quê?

- Não me importaria com nada.

- Agradeçamos então a senhora encontrar-se desse modo perseverada de um estado de insensibilidade tal.

- Nada agradecerei, Sr. Bennet, que tenha algo que ver com o vínculo. Como foi possível a alguém alienar os seus bens perante o rancho de filhas a seu cargo, é assunto que eu não chego a entender; e em benefício do Sr. Collins, ainda por cima! Porquê ele, e não outro qualquer?

- Deixo-lhe a si a tarefa de o descobrir - disse o Sr. Bennet.

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