Capítulo 22
Sr. Collins novamente em casa do Sr. Bennet
Elizabeth encontrava-se na sala, junto de sua mãe e de suas irmãs, reflectindo no que ouvira e hesitando se acaso estaria autorizada a mencioná-lo, quando entrou Sir William Lucas em pessoa, enviado pela filha a participar o noivado. Cumprimentando-as calorosamente e felicitando-se pela perspectiva de uma ligação entre as duas famílias, revelou o objectivo da sua visita, perante uma audiência não apenas surpreendida, como sobretudo incrédula; pois a Sr.a Bennet, com uma perseverança maior do que a delicadeza o permitia, sustentava que ele devia estar redondamente enganado, e Lydia, sempre irreflectida e frequentemente descortês, exclamava desabridamente:
- Meu Deus! Sir
William, que história é essa? Então não sabe que o Sr. Collins pretende casar
com Lizzy?
Nada, que não ser
a complacência de um cortesão, teria suportado imperturbável tal tratamento;
mas a boa educação de Sir William não o abandonou; e, embora ele lhes pedisse
licença para as assegurar da veracidade da sua informação, foi com estóica
cortesia que prestou ouvidos a toda a sua impertinência.
Elizabeth,
então, sentindo-se chamada a libertá-lo de situação tão desagradável,
adiantou-se e confirmou o relato, referindo o conhecimento prévio que dele
obtivera da própria Charlotte; e tentou pôr cobro às exclamações de sua mãe e
de suas irmãs congratulando sinceramente Sir William, no que foi prontamente
secundada por Jane, e fazendo uma série de observações quanto à felicidade que
seria de esperar de tal união, ao caracter do Sr. Collins e à distância
adequada a que Hunsford se encontrava de Londres.
A Sr.a Bennet
ficara, com efeito, profundamente afectada para conseguir pronunciar-se durante
o tempo em que Sir William ali permaneceu; mas, mal ele as deixou, os seus
sentimentos imediatamente afluíram em catadupa. Primeiro, ela persistia em não
acreditar em tudo aquilo; segundo, jurava que o Sr. Collins tinha sido pura e
simplesmente apanhado; terceiro, tinha a certeza de que eles nunca seriam
felizes os dois; e quarto, desejaria que o noivado se rompesse. Porém, de tudo
isto extraía duas conclusões; uma delas, que Elizabeth era a causadora de todo
o mal; e a outra, que ela própria fora barbaramente tratada por todos eles; e
sobre estes dois pontos ela discorreu incansavelmente durante o resto do dia.
Nada havia que a consolasse ou, mesmo, a tranquilizasse. E o seu ressentimento
não se apagou com o dia. Uma semana decorreu antes que ela pudesse encarar
Elizabeth sem lhe dirigir inflamadas repreensões; um mês passou antes que ela
conseguisse falar para Sir William ou Lady Lucas sem se mostrar grosseira; e
vários meses transcorreram antes que ela tivesse perdoado totalmente a sua
filha.
As emoções do
Sr. Bennet pela ocasião eram de índole bem diversa, e, após tê-las
experimentado, classificou-as nada menos do que bastante agradáveis; pois
consolava-o, disse ele, descobrir que Charlotte, que ele tinha na conta de uma
rapariga sensata, era, afinal, tão estouvada como sua mulher e mais estouvada
que sua filha!
Jane
confessou-se um pouco surpreendida com o noivado, mas dedicou menos palavras ao
seu espanto que ao desejo sincero de os ver felizes; e nem mesmo Elizabeth a
conseguiu convencer de tal improbabilidade. Kitty e Lydia estavam longe de
invejar a sorte da Menina Lucas, visto o Sr. Collins não passar de um pastor; e
no assunto outro interesse não viam, senão pelo facto de se tratar de um belo
mexerico a espalhar em Meryton.
Lady Lucas não
era insensível ao triunfo de poder dar réplica à Sr.a Bennet sobre o conforto
de ter uma filha bem casada; e as suas visitas a Longbourn sucediam-se com uma
frequência maior do que a habitual, embora a expressão carrancuda da Sr.a
Bennet e os comentários desagradáveis que ela não se abstinha de fazer
bastassem para afugentar toda a alegria.
Entre Elizabeth
e Charlotte subsistia um constrangimento que as impedia de tocar no assunto
entre si; e Elizabeth estava persuadida de que a amizade que um dia as unira
nunca mais voltaria a ser a mesma. A desilusão sofrida com Charlotte fê-la
voltar-se com um carinho redobrado para sua irmã, sobre cuja rectidão e
delicadeza ela sabia poder contar e por cuja felicidade ela se inquietava cada
vez mais, pois já decorrera uma semana depois que Bingley partira e ainda nada
se sabia sobre o seu regresso.
Jane respondera
prontamente à carta de Caroline e contava os dias à espera de novas noticias
dela. A prometida carta de agradecimento do Sr. Collins chegou na terça-feira,
dirigida ao pai das raparigas e escrita com toda a solenidade e gratidão que a
estada de um ano no seio da família teria inspirado. Após ter satisfeito a sua
consciência neste capítulo, prosseguiu na sua missiva, informando-os, com
expressões verdadeiramente arrebatadoras, da sua felicidade em ter conquistado
a afeição da tão simpática vizinha, a Menina Lucas, e aproveitando o ensejo
para explicar que fora apenas pensando no prazer da companhia dela, que ele
aderira tão entusiasticamente ao simpático desejo de o tornarem a ver em
Longbourn, onde ele contava chegar da próxima segunda-feira a quinze dias; pois
Lady Catherine, acrescentava ele, aprovava tão calorosamente o seu casamento
que o desejava ver realizado quanto antes, o que ele considerava argumento
irrefutável junto da sua adorável Charlotte e que a levaria a fixar o dia que o
tornaria no mais feliz dos mortais.
O regresso do
Sr. Collins a Hertfordshire deixou de constituir um motivo de prazer para a
Sr.a Bennet. Pelo contrário, ela sentia-se tão inclinada a lastimá-lo como o
seu próprio marido. Não via por que razão haveria ele de escolher Longbourn em
vez da casa dos Lucas; e, além da inconveniência que era, causava-lhe um
transtorno dos demónios. Detestava albergar estranhos enquanto a sua saúde se
mantinha tão periclitante, e, da humanidade inteira, os apaixonados eram quem
ela menos suportava. Tais eram as amáveis murmurações da Sr.a Bennet, que
apenas cediam perante a aflição da prolongada ausência do Sr. Bingley.
Tanto Jane como
Elizabeth se sentiam pouco à vontade sobre tal assunto. Dia após dia; o tempo
passava sem que trouxesse outras notícias dele, que não fosse o rumor, que em
breve correu em Meryton, de que ele não regressaria no Inverno a Netherfield;
rumor este que conduzia a Sr.a Bennet ao paroxismo da raiva, e o qual ela nunca
deixava de contradizer, classificando-o como uma escandalosa mentira.
A própria
Elizabeth se achou receando, não que Bingley fosse indiferente, mas que as suas
irmãs tivessem conseguido o seu intento em mantê-lo afastado. Embora fosse com
relutância que admitia ideia tão destrutiva da felicidade de Jane e tão
desonrosa para a constancia do seu apaixonado, era com frequência que ela lhe
ocorria ao espírito. Os esforços unidos das duas insensíveis irmãs e do amigo
tão subjugador poderiam, ela temia, assistidos pelos atractivos da Menina Darcy
e os divertimentos de Londres, ser demasiados para a intensidade do seu amor.
Quanto a Jane, a
«sua» ansiedade perante tal incerteza era, naturalmente, mais dolorosa do que a
de Elizabeth; mas, o que quer que fosse que ela sentisse, vivia a escondê-lo,
pelo que entre ela e a irmã não se pronunciava uma palavra sobre o assunto.
Porém, como delicadeza idêntica não habitava sua mãe, raramente passava uma
hora sem que ela falasse de Bingley, exprimisse a sua impaciência pelo regresso
dele e forçasse Jane a reconhecer que, se ele não o fizesse dentro em breve,
ela deveria sentir-se ultrajada. Tais ataques requeriam da parte de Jane toda a
docilidade do seu carácter, de modo a suportá-los com uma tranquilidade
razoável.
O Sr. Collins
regressou, muito pontualmente, na segunda-feira anunciada por ele, mas a sua
recepção em Longbourn não decorreu com a espontaneidade da visita anterior. De
qualquer modo, era suficientemente intensa a sua felicidade para não sentir a
falta de outras atenções; e, felizmente para a família, aquele entusiasmado
namoro aliviava-os quase totalmente da sua companhia. Com efeito, passava os
dias em casa dos Lucas, e, por vezes, reaparecia em Longbourn apenas a tempo de
desculpar-se pela sua ausência, antes de a família se retirar para passar a
noite.
A Sr.a Bennet
encontrava-se realmente num estado lastimável. Qualquer alusão ao casamento a
prostrava numa agonia de mau humor, e, onde quer que ela fosse, tinha a certeza
de não ir ouvir falar noutra coisa. A visão da Menina Lucas era odiosa para
ela. Como sua sucessora naquela casa, ela encarava-a com invejosa aversão.
Sempre que Charlotte as visitava, ela julgava-a antecipando a hora da posse; e,
sempre que a via cochichando ao ouvido do Sr. Collins, convencia-se de que
conferenciavam sobre os bens de Longbourn e estavam decidindo expulsá-la, a ela
e às filhas, daquela casa, mal o Sr. Bennet se passasse. De tudo isto ela fez
queixas amarguradas ao marido.
- Na verdade,
Sr. Bennet - disse ela -, é doloroso pensar que Charlotte Lucas será um dia a
dona desta casa, que eu serei forçada a afastar-me por sua causa e que viverei
para a ver ocupar o meu lugar aqui.
- Então, minha
querida, não se deixe arrastar por pensamentos tão melancólicos. Esperemos por
coisas melhores. Alimentemos a esperança de que eu sobreviva à senhora.
Tal perspectiva
não consolava a Sr.a Bennet, pelo que, em lugar de lhe responder, continuou:
-Não suporto
pensar que eles terão tudo isto. Se não fosse a existência do vinculo, eu não
me importaria.
- Não se
importaria com quê?
- Não me
importaria com nada.
- Agradeçamos
então a senhora encontrar-se desse modo perseverada de um estado de
insensibilidade tal.
- Nada
agradecerei, Sr. Bennet, que tenha algo que ver com o vínculo. Como foi
possível a alguém alienar os seus bens perante o rancho de filhas a seu cargo,
é assunto que eu não chego a entender; e em benefício do Sr. Collins, ainda por
cima! Porquê ele, e não outro qualquer?
- Deixo-lhe a si
a tarefa de o descobrir - disse o Sr. Bennet.
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