quarta-feira, 16 de maio de 2012

Capítulo 19 - O Sr. Collins pede Elizabeth em casamento



O dia seguinte trouxe um novo acontecimento para Longbourn. O Sr. Collins fez a sua declaração em forma. Tendo resolvido proceder a ela sem perda de tempo, uma vez que a sua licença caducava já no sábado seguinte, e não nutrindo, mesmo naquela altura, qualquer sentimento de desconfiança em vir a tornar-se numa situação embaraçosa para ele, entregou-se a ela de forma muito metódica, não descurando todas aquelas observâncias que ele supunha inerentes ao assunto. Encontrando reunidas, pouco tempo depois do pequeno-almoço, a Sr.a Bennet, Elizabeth e uma das irmãs mais novas, dirigiu-se à mãe nos seguintes termos:

- Poderei eu, minha senhora, no seu próprio interesse e no da sua encantadora filha Elizabeth, solicitar-lhe a honra de uma audiência privada com ela no decorrer da manhã?

Antes que Elizabeth tivesse tempo para algo, excepto corar pela surpresa, a Sr.a Bennet imediatamente respondeu:

- Oh!, meu Deus! Sim, com certeza. Estou certa de que Lizzy terá todo o prazer. Estou certa de que ela não porá objecções. Vem, Kitty, preciso de ti lá em cima. - E, arrumando precipitadamente o seu trabalho, preparava-se para os deixar, quando Elizabeth exclamou:

- Minha querida senhora, não se vá embora. Peço-lhe que não saia. O Sr. Collins desculpar-me-á. Ele nada terá para me dizer que outros não possam ouvir. Eu própria me vou embora.

- Não, não, que disparate, Lizzy. Fica onde estás. - E, vendo que Elizabeth, extremamente embaraçada e aflita, parecia realmente querer esgueirar-se, acrescentou: - Lizzy, «insisto» para que fiques e ouças o que o Sr. Collins tem para te dizer.

Elizabeth não se oporia a tal determinação, e, após durante alguns momentos considerar que seria mais sensato acabar com aquilo quanto antes, tornou a sentar-se e procurou disfarçar os sentimentos que a dividiam entre a aflição e o divertimento. A Sr.a Bennet e Kitty afastaram-se e, mal elas saíram, o Sr. Collins começou.

- Acredite-me, cara Menina Elizabeht, que a sua modéstia, longe de lhe causar algum detrimento, apenas se vem juntar às suas outras perfeições. A menina aparecia menos graciosa aos meus olhos, não fosse por essa pequenina má vontade da sua parte; mas permita-me lembrar-lhe que gozo da conceituada autorização da sua mãe para lhe falar nestes termos. Não terá dúvidas quanto ao teor da comunicação que tenho a fazer-lhe, se bem que a sua natural delicadeza a leve a dissuadi-la do contrário; as minhas atenções têm sido sobejamente incisivas para admitirem uma interpretação diferente. Quase imediatamente após ter entrado nesta casa, escolhi a menina para companheira da minha vida futura. Mas, antes de me deixar arrastar pelos meus sentimentos neste assunto, será talvez preferível passar a expor-lhe as razões que me induzem a casar, e, sobretudo, que me trouxeram a Hertfordshire no intuito de procurar uma esposa, como de facto o fiz.

A ideia do Sr. Collins, sendo, com toda a sua solene compostura, arrastada pelos seus sentimentos, provocou em Elizabeth um ataque de riso tão iminente que a incapacitou de fazer uso da pequena pausa à sua disposição, numa tentativa de o impedir de prosseguir, pelo que ele continuou:

- As razões que me levam a casar são, primeiro, porque considero que um clérigo em situação abastada (como é o meu caso) deve dar o exemplo da harmonia conjugal na sua paróquia. Segundo, porque estou convencido de que, agindo de tal modo, contribuirei grandemente para a minha própria felicidade; e terceiro, que eu deveria talvez ter mencionado antes, porque vou deste modo ao encontro do desejo e recomendação especial da mui nobre senhora a quem eu tenho a honra de chamar minha patrona. Por duas vezes ela condescendeu em me dar (sem que eu lho tivesse pedido sequer) a sua opinião sobre o assunto; e ainda no sábado à noite, antes de eu deixar Hunsford, entre duas partidas de cartas e enquanto a Sr.a Jenkinson arrumava o jogo da menina de Bourgh, ela me disse: «Sr. Collins, o senhor deve casar. Um clérigo gozando de uma situação como a sua deve casar, escolha com acerto, «por mim«, que se trate de uma senhora distinta e educada, e «por si«, que ela se mostre uma pessoa activa e útil, não habituada a grandezas, mas capaz de tirar proveito de um pecúlio reduzido. É este o meu conselho. Busque essa mulher tão depressa quanto possível, traga-a para Hunsford, e eu visitá-la-ei.» A propósito, permita-me observar-lhe, minha querida prima, que não considero a atenção e a generosidade de Lady Catherine de Bourgh entre as vantagens de menor envergadura que em meu poder tenho para lhe oferecer. Encontrará nela uma distinção superior, que, estou em crer, aceitará de boa mente o espirito e a vivacidade de que a prima dá provas, sobretudo quando moderados pelo silêncio e o respeito que a elevada posição social dela inevitavelmente suscitarão. São estas, portanto, e de um modo geral, as minhas tenções em favor do matrimónio; resta-me dizer porque me decidi por Longboarn, em lugar da minha vizinhança, onde lhe asseguro existirem numerosas jovens igualmente encantadoras. Ora, acontece que, na minha qualidade de futuro herdeiro destes bens após a morte de seu pai (que, contudo, espero que viva ainda por muitos anos e bons), nunca me sentiria em paz com a minha consciência se não tivesse diligenciado por escolher uma esposa entre as suas filhas, de modo a minimizar o prejuízo a sofrer por altura de tao melancólico acontecimento, o que, como já atrás referi, sinceramente espero que só se dê daqui a muitos anos. Foi este o meu principal motivo, querida prima, e estou certo de que não será ele a contribuir de algum modo para a diminuição da sua estima por mim. E, de momento, não me resta mais do que exprimir-lhe numa linguagem vigorosa a violência do meu afecto. Quanto a meios de fortuna, é um assunto a que eu devoto uma total indiferença, e não farei nesse sentido qualquer exigência a seu pai, visto que de antemão sei não poder contar com isso; e que se limita a um milhar de libras aquilo que a prima por direito receberá, apenas após o falecimento de sua mãe. Sobre este assunto, por isso, guardarei o mais escrupuloso silêncio; e pode estar certa de que nunca uma censura menos generosa passará alguma vez pelos meus lábios, uma vez casados.

Era absolutamente necessário interrompê-lo nesta altura.

- Mas que precipitação é essa? - exclamou ela. - O senhor esquece-se de que ainda não dei qualquer resposta. Deixe-me que o faça sem mais delongas. Aceite o meu agradecimento pelo elogio que me está fazendo. Tenho consciência da honra que o seu pedido me confere, mas é-me impossível outra atitude senão recusá-lo.

- Não me venha com isso - replicou o Sr. Collins, com um aceno formal da mão -; pois eu sei que é costume entre as jovens repelir as atenções do homem que, secretamente, elas tencionam aceitar, quando pela primeira vez ele lhes solicita o seu favor; e que por vezes a recusa se repete uma segunda e até terceira vez. Não me sinto, por conseguinte, de nenhum modo desencorajado e espero poder em breve conduzi-la ao altar.

- Por Deus, senhor - exclamou Elizabeth -, a sua esperança é bem extraordinária após ter ouvido declaração como a minha. Garanto-lhe que não sou nenhuma daquelas jovens (se é que tais jovens existem) que se mostram tão audaciosas, a ponto de arriscar a sua felicidade na perspectiva de serem pedidas uma segunda vez. Estou sendo perfeitamente sincera na minha recusa. O senhor nunca «me» poderia fazer feliz e estou certa de que seria eu a última mulher no mundo capaz de o fazer «a si» igualmente feliz. Mais ainda, se acaso a sua amiga Lady Catherine me conhecesse, estou em crer que ela me consideraria em todos os aspectos inadequada à situação.

- Se acaso Lady Catherine pensasse de facto assim - disse o Sr. Collins, muito sério -, mas não me parece que Sua Excelência a desaprove sequer. E a prima pode estar certa de que, quando me for dada a honra de voltar a avistar-me com Sua Excelência, lhe falarei nos termos mais elevados da sua modéstia, parcimónia e outras qualidades que tais.

- Realmente, Sr. Collins, todo o elogio a meu respeito é absolutamente desnecessário. O senhor deve-me a oportunidade de me decidir e conceder-me-á a honra de acreditar no que lhe digo. Desejo-lhe uma felicidade imensa e uma vida próspera, e, ao recusar a sua mão, não faço mais do que evitar que o contrário lhe suceda. Ao fazer-me a proposta, o senhor terá, decerto, satisfeito a delicadeza dos seus sentimentos a respeito da minha família e poderá assim, uma vez chegada a ocasião, entrar na posse dos bens de Longbourn sem que qualquer escrúpulo o aflija, Trata-se, por conseguinte, de um assunto decididamente arrumado. - E, levantando-se à medida que assim falava, ela teria certamente deixado a sala, não fosse o Sr. Collins dirigir-se-lhe nos seguintes termos:

- Quando de novo me for concedida a honra de retomar o mesmo assunto, espero receber uma resposta bem mais favorável que aquela que por ora me foi dada; ainda que esteja longe de a acusar de crueldade no momento presente, pois sei que não passa de um costume aceite entre o belo sexo repelir o homem na primeira solicitação, e talvez a prima se tenha exprimido de tal modo no fito de encorajar o meu pedido, o que está perfeitamente de acordo com a mais pura delicadeza própria do carácter feminino.

- Na realidade, Sr, Collins - exclamou Elizabeth, com um certo ardor -, o senhor confunde-me de uma maneira extraordinária. Se o que acabei de lhe dizer surge aos seus olhos como uma forma de encorajamento, não sei como exprimir-lhe a minha recusa de modo que o senhor se convença de tal.

- Permita-me dizer-lhe, então, minha querida prima, que considero a sua recusa ao meu pedido destituída de qualquer fundamento e que, por conseguinte, não passa de uma mera formalidade. As razoes que me levam a pensar assim são, em resumo, as seguintes: não me parece que a minha mão seja indigna do seu acolhimento ou que as condições que eu lhe posso oferecer não sejam mais do que altamente desejáveis. A minha situação na vida, as minhas relações com a família de Bourgh e o meu parentesco com a sua própria família são circunstâncias altamente a meu favor; deve, além do mais, considerar que, apesar dos seus inúmeros atractivos, nada indica que venha a receber jamais outro pedido em casamento. O seu dote é, infelizmente, tão insignificante que, sem dúvida, anulará os efeitos de todo o seu encanto e das demais qualidades. Como de tudo isto sou levado a concluir que não está sendo sincera na recusa que me faz, decidir-me-ei por atribui-la ao seu desejo de ver aumentar o meu amor nela incerteza, de acordo com as práticas usuais das jovens elegantes.

- Garanto-lhe, Sr. Collins, que não tenho qualquer pretensão quanto a esse género de elegância que consiste em atormentar um cavalheiro respeitável. Preferiria que me elogiasse antes pela minha sinceridade. Mais uma vez lhe agradeço a honra que me foi concedida ao apresentar-me a sua proposta, mas aceitá-la é-me absolutamente impossível. Os meus sentimentos repelem-na sem hesitação de espécie alguma. Não fui já suficientemente clara? Deixe de me considerar uma jovem elegante tentando aguilhoá-lo, para ver em mim uma criatura racional que lhe fala do coração.

- A prima é de um encanto sempre igual! - exclamou ele, com um ar de desajeitada galantaria. - Estou persuadido de que, quando aprovada pela autoridade expressa dos seus excelentes pais, a minha proposta não deixará de ser aceite.

Perante tal obstinação em se iludir a si próprio, Elizabeth nada via a acrescentar e, em silêncio, tratou de se afastar sem demora; decidida, caso ele persistisse em considerar as suas repetidas recusas como um encorajamento lisonjeador, a solicitar a ajuda de seu pai, cuja negativa seria pronunciada de maneira a não permitir dúvidas e cujo comportamento, pelo menos, nunca poderia ser tomado como afectação ou coquetismo de uma mulher elegante.

O Sr. Collins não permaneceu só por muito tempo na silenciosa contemplação do seu feliz amor; pois a Sr.a Bennet, que se passeava no vestíbulo à espreita do fim da entrevista, mal viu Elizabeth abrir a porta e, num passo apressado, cruzar-se com ela na direcção das escadas, entrou na saleta e calorosamente felicitou-o e felicitou-se a si própria pelas radiosas perspectivas da sua próxima união. O Sr. Collins recebeu e retribuiu estas felicitações com igual prazer e passou a relatar os pormenores da entrevista, cujo resultado ele confiava poder classificar de satisfatório, uma vez que a recusa que a sua prima tão peremptoriamente lhe dera não provinha senão de uma tímida modéstia e da delicadeza genuína do seu carácter.

Esta informação, contudo, causou um certo alarme na Sr.a Bennet; gostaria de ser capaz de se mostrar igualmente satisfeita por sua filha ter pretendido encorajá-lo ao repelir o seu pedido, mas custava-lhe acreditar em tal, e não se absteve de lho dizer.

- Mas pode estar certo, Sr. Collins - acrescentou ela -, que Lizzy acabará por se convencer. Vou deste mesmo passo conversar com ela sobre o assunto. Ela é uma rapariga muito teimosa e insensata e não sabe ver. onde está o seu interesse; mas eu «mostrar-lho-ei».

- Perdoe-me interrompê-la, minha senhora - exclamou o Sr. Collins -, mas, se ela é, na realidade, tão teimosa e insensata como mo diz, já não estou tão certo de que ela se possa tornar na esposa ideal para um homem na minha situação, que, naturalmente, procura a harmonia no casamento. Se, por conseguinte, ela persiste em recusar o meu pedido, talvez fosse preferível não forçá-la a aceitar-me, uma vez que, sujeita a tais defeitos de temperamento, ela pouco contribuiria para a minha felicidade.

- Sr. Collins, o senhor não me percebeu - disse a Sr.a Bennet, alarmada. - Lizzy mostra-se teimosa apenas em casos como estes. Em tudo o resto ela é de uma doçura como eu nunca vi igual. Vou imediatamente falar com o Sr. Bennet e em breve poderemos dar o assunto por arrumado entre nós.
Não lhe dando tempo sequer para responder, saiu precipitadamente ao encontro de seu marido, e, entrando de rompante na biblioteca, proferiu numa voz agitada:

- Oh!, Sr. Bennet, necessito com urgência da sua ajuda; estamos todos em alvoroço. E preciso que venha e obrigue Lizzy a casar com o Sr. Collins, pois ela jura a pés juntos que não o fará e, se o senhor não se apressa, ele poderá mudar de ideias e, por sua vez, também não a querer.

O Sr. Bennet ergueu os olhos do livro quando a viu entrar e fixou-os no seu rosto, numa calma indiferença que em nada se alterou com a comunicação dela.

- Desculpe-me, mas não entendo nada do que me diz - disse ele, após ela ter terminado a sua arenga. - De que está falando?

- Do Sr. Collins e de Lizzy. Lizzy declara que não quer o Sr. Collins e o Sr. Collins começa a dizer que também não pretende Lizzy.

- E que espera que eu faça em tal situação? Parece tratar-se de um assunto sem remédio.

- Converse o senhor com Lizzy. Diga-lhe que insiste para que ela case com ele.

- Chame-a, então. Ela ouvirá o que tenho para lhe dizer.

A Sr.a Bennet tocou a campainha e a Menina Elizabeth foi convocada à biblioteca.

- Vem cá, minha filha - exclamou seu pai, quando a viu aparecer. - Mandei-te chamar por causa de um assunto importante. Pelo que entendi, o Sr. Collins pediu-te em casamento. é verdade? - Elizabeth respondeu afirmativamente. - Muito bem... e esta oferta tu recusaste-la?

- Recusei-a, meu pai.

- Muito bem. Estamos a chegar agora ao fundo da questão. A tua mãe insiste para que tu o aceites. Não é isso, Sr.a Bennet?

- Sim, ou nunca mais a quererei ver.

- Oferece-te uma difícil alternativa, Elizabeth. A partir de hoje não passarás de uma estranha aos olhos de um de n´ss. Se «não casas» com o Sr. Collins, tua mãe nunca mais te quererá ver; se «casas», serei eu que te repudiarei.

Elizabeth não pôde reprimir um sorriso perante tal conclusão para tal começo; mas a Sr.a Bennet, que estava persuadida de que o marido encarava o assunto como ela o desejava, sofreu um desapontamento profundo.

- Francamente, Sr. Bennet, onde pretende chegar com tal conversa? O senhor prometeu-me «insistir» com ela para que casasse com ele.

- Minha querida - replicou-lhe o marido -, tenho dois pequenos favores a pedir-lhe. Primeiro, que no momento presente me autorize o pleno gozo do meu entendimento; e segundo, o do meu espaço vital. Ficar-lhe-ia eternamente grato se deixasse o mais breve possível a biblioteca à minha inteira disposição.

Mas não foi desta feita, contudo, e apesar do desapontamento causado pelo marido, que a Sr.a Bennet desistiu do seu intento. Continuou insistente na sua tarefa de persuadir Elizabeth, quer usando da lisonja, quer por meio de ameaças. Tentou por todos os meios atrair Jane à sua causa, mas esta, com toda a afabilidade ao seu alcance, declinou interferir; e Elizabeth, ora extremamente séria, ora alegre
e jocosa, não evitava os ataques da mãe. Embora a sua disposição variasse, na vontade mantinha-se inabalável.

O Sr. Collins, entretanto, entregara-se a uma solitária meditação sobre o que se passara. Tinha uma elevada opinião de si próprio para compreender a razão pela qual a sua prima o recusara; e, embora se sentisse atingido no seu orgulho, nada mais o afectava. A sua estima por ela era puramente imaginária; e a possibilidade de ela merecer a censura de sua mãe impedia-o de sentir qualquer pena.

Vivia a família toda esta agitação, quando apareceu Charlotte Lucas, que viera no propósito de passar o dia com as suas amigas. No vestíbulo foi recebida por Lydia, que, precipitando-se para ela, lhe segredou ao ouvido:

- Ainda bem que vieste, porque te vais divertir um bocado! Que calcules tu que se passou aqui esta manha? O Sr. Collins pediu Lizzy em casamento, mas Lizzy não está pelos ajustes.

Charlotte não teve sequer tempo para lhe responder, pois Kitty, que entretanto também acorrera ao seu encontro, repetia-lhe em atropelo a mesma novidade, e ainda mal tinham passado a porta da saleta, onde a Sr.a Bennet se encontrava sozinha, quando esta se referiu igualmente ao assunto, apelando para a compaixão da Menina Lucas e implorando-lhe encarecidamente que persuadisse a sua amiga Lizzy a aceder aos desejos de toda a sua família.

- Faça-me esse favor, querida Menina Lucas - acrescentou em tom melancólico -, pois não tenho ninguém do meu lado, ninguém que me apoie, sou cruelmente tratada, ninguém quer saber dos meus pobres nervos.

Charlotte não teve, felizmente, que responder, pois Jane e Elizabeth acabavam de entrar.

- Pois aí vem ela - continuou a Sr.a Bennet -, maravilhosamente despreocupada e ralando-se tanto por nossa causa como se não existíssemos, posto que tudo corra à sua maneira. Mas oiça bem o que lhe digo, Menina Lizzy: se está decidida a continuar recusando deste modo todos os pedidos de casamento, acabará por nunca arranjar um marido... e não faço ideia de quem a vai sustentar após a morte de seu pai. Não contes comigo, desde já te previno. A partir de hoje deixaste de existir para mim. Na biblioteca avisei-te do que aconteceria, e verás como cumpro com a minha palavra. Não me agrada falar para filhas mal agradecidas. Não é que eu tenha um grande prazer em falar para não importa quem. Pessoas que, como eu, sofrem de doenças nervosas não podem sentir grande inclinação para falar. Ninguém imagina o que eu sofro! Mas é sempre assim. Dos que não se queixam ninguém tem dó.

As filhas escutaram em silêncio o seu desabafo, cientes de que qualquer tentativa em persuadi-la do contrário ou acalmá-la apenas agravaria a sua irritação. E ela continuou, sempre na mesma toada e sem que nenhuma delas se atrevesse a interrompê-la, até que apareceu o Sr. Collins, com um ar mais digno do que o costume, e, ao avistá-lo, ela disse para as raparigas:

- Agora, peço-lhes, nem mais uma palavra sobre o assunto e deixem-me a sós com o Sr. Collins, pois precisamos de conversar.

Elizabeth abandonou calmamente a sala, seguida por Jane e Kitty, mas Lydia deixou-se ficar, decidida a ouvir tudo o que pudesse; e Charlotte, retida a princípio pela amabilidade do Sr. Collins, cujas inquirições acerca dela e de toda a sua família eram bastante minuciosas, e em seguida, graças a uma certa curiosidade, contentou-se em ir para junto de uma janela e fingir não ouvir. Numa voz pesarosa, a Sr.a Bennet deu início à projectada conversa, exclamando:

- Oh!, Sr. Collins!

- Minha querida senhora - respondeu-lhe ele -, incito-a a guardarmos para sempre o silêncio sobre tal assunto. Estou longe - continuou ele, numa voz que acentuava o seu desagrado - de me ofender com o comportamento de sua filha. É um dever comum a todos nós resignarmo-nos perante males inevitáveis; e é o dever especial de um jovem como eu, que teve a felicidade de prematuramente se ver numa posição de destaque; e creio ter alcançado essa resignação. A ela não é estranho, talvez, o sentimento de uma certa dúvida quanto à minha felicidade absoluta, tivesse a minha encantadora prima acedido ao meu pedido; pois com frequência tenho observado que a resignação nunca atinge o seu grau de perfeição senão quando o beneficio que nos é negado começa a perder algo do seu valor na nossa estima. Espero, minha querida senhora, que não veja na minha atitude qualquer desconsideração para com a sua família, tanto ao retractar-me nas minhas pretensões à mão de sua filha, como pelo facto de não lhes ter concedido, à senhora e ao Sr. Bennet, a oportunidade de interpor a vossa autoridade em defesa do meu interesse. Terei, talvez, incorrido no vosso desagrado por ter aceite a minha demissão directamente da boca de vossa filha, e não da vossa. Mas todos estamos sujeitos a cair em erro. Fui um bem intencionado, desde o início até ao fim. Era meu objectivo assegurar-me uma companheira fiel e adorável, considerando simultaneamente a vantagem que daí adviria para toda a vossa família, mas, se acaso os meus modos suscitaram a vossa desaprovação, desde já lhes peço que me concedam o perdão.

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