segunda-feira, 28 de maio de 2012

Capítulo 60 - Elizabeth e Darcy casados


Capítulo 60 - Elizabeth e Darcy casados


Feliz para os seus sentimentos maternais foi o dia em que a Sr.a Bennet se viu livre de duas das suas filhas mais queridas. É fácil imaginar com que orgulho ela visitava, mais tarde, a Sr.a Bingley e falava da Sr.a Darcy. Desejaria poder acrescentar, em atenção pela sua família, que a realização do seu mais elevado desejo em ver casadas grande parte das suas filhas tivera o feliz efeito de a tornar numa mulher sensata, discreta e interessante para o resto da sua vida. Contudo, afortunadamente para o marido, que talvez não tivesse apreciado uma felicidade doméstica tão excepcional, ela continuou ocasionalmente nervosa e invariavelmente tola.

O Sr. Bennet sentiu grandemente a falta da sua segunda filha. A sua afeição por ela foi um dos motivos por que, daí por diante, mais o obrigaram a sair de casa. Adorava ir a Pemberley, sobretudo quando não era esperado. O Sr. Bingley e Jane ficaram em Netherfield apenas mais um ano. Tamanha proximidade da Sr.a Bennet e dos conhecidos de Meryton não era desejável, mesmo levando em conta o temperamento brando de Bingley e o coração afectuoso de Jane. O grande desejo das irmãs de Bingley foi finalmente satisfeito, e ele comprou uma propriedade nas proximidades do Derbyshire; e, em acréscimo a todas as suas outras felicidades, Jane e Elizabeth residiam agora a trinta milhas uma da outra.

Kitty passava a maior parte do tempo com as duas irmãs mais velhas, o que constituiu verdadeira vantagem para ela. Numa sociedade tão superior à que ela conhecera, em breve fez grandes progressos. Kitty não tinha o génio rebelde de Lydia, e, longe da influencia e do exemplo da irmã e graças a certos cuidados e atenções, ela tornou-se menos irritável, menos ignorante e menos insípida. Ela era cuidadosamente preservada de qualquer nova influência da parte de Lydia, e, embora a Sr.a Wickham frequentemente a convidasse a ir passar alguns tempos a sua casa, com promessas de bailes e rapazes, o seu pai jamais consentia que ela fosse.

Mary era a única que permanecia em casa; e, como a Sr.a Bennet não suportasse a solidão, ela viu-se necessariamente impedida de prosseguir no aperfeiçoamento dos seus talentos. Obrigada a frequentar mais assiduamente a sociedade, continuou, no entanto, a tirar conclusões morais de cada visita que fazia; e, como Mary já não sentisse a mortificação da comparação da beleza das suas irmãs com a dela própria, seu pai desconfiou que ela aceitava sem muita relutância essa alteração dos seus hábitos.

Quanto a Wickham e Lydia, o casamento pouco os modificou. Wickham resignou-se filosoficamente à convicção de que Elizabeth estava agora a par de todas as suas ingratidões e mentiras; mas, apesar disso, continuava a alimentar a esperança de que ela um dia pudesse convencer Darcy a fazer a sua fortuna. A carta que Elizabeth recebeu de Lydia por ocasião do seu casamento revelou-lhe que tal esperança era acalentada pela mulher, senão pelo próprio marido. A carta dizia o seguinte:

Minha querida Lizzy,

Desejo-te grande felicidade. Se o teu amor pelo Sr. Darcy é apenas metade do que eu sinto pelo meu marido Wickham, então és decerto muito feliz. E um consolo saber-te tão rica, e, quando não tiveres nada para fazer, espero que te lembres de nós. Wickham gostaria muito de enveredar pela carreira jurídica, mas não creio que tenhamos dinheiro suficiente para vivermos sem auxílio. Qualquer lugar de trezentas ou quatrocentas libras por ano serviria; mas, se preferes, não menciones o assunto ao Sr. Darcy. A tua, etc.

Como Elizabeth preferiu não mencionar o assunto, procurou, na sua resposta, pôr termo a todos os pedidos dessa natureza. No entanto, ela passou a enviar-lhe tudo o que economizava das suas despesas particulares. Sempre lhe parecera evidente que a renda de que eles gozavam, dirigida por pessoas tão extravagantes nos seus desejos e imprevidentes quanto ao futuro, seria insuficiente para o seu sustento; e, sempre que o casal mudava de residência, Jane e Elizabeth podiam estar certas de receber um pedido de auxílio, pois havia sempre contas por pagar. A sua maneira de viver, mesmo quando tinham uma casa, era sempre muito irregular. Estavam constantemente em mudança, de localidade para localidade, em busca de uma situação barata, e gastavam sempre mais do que possuíam. A afeição de Wickham por Lydia em breve se transformou em indiferença. A de Lydia resistiu por mais algum tempo. Apesar da sua mocidade e das suas maneiras, ela conservou intacta a reputação que o casamento lhe havia assegurado.

Embora Darcy não admitisse a ideia de receber Wickham em Pemberley, contudo, em atenção por Elizabeth, ajudou-o na sua carreira. Lydia visitava-os ocasionalmente, quando o seu marido ia a Londres ou a Bath, para se divertir. Em casa dos Bingley, no entanto, eles demoravam-se mais tempo, a ponto de esgotar toda a paciência e bom humor de Bingley, que chegou a falar em dar-lhes a entender que os desejaria ver da sua casa para fora.

A Menina Bingley ficou profundamente mortificada com o casamento do Sr. Darcy; mas, como achou aconselhável conservar o direito de frequentar Pemberley, sufocou todo o seu ressentimento. Continuou a gostar de Georgiana, mostrou-se quase tão atenciosa para com Darcy como antigamente e pagou com juros todas as cortesias que devia a Elizabeth.

Georgiana foi residir para Pemberley. A afeição entre as duas novas irmãs correspondeu a todas as expectativas de Darcy, e até mesmo às intenções das duas raparigas. Georgiana tinha uma grande admiração por Elizabeth. A princípio, fora com assombro e um pouco de horror que ouvira os gracejos e brincadeiras de Elizabeth para com o marido. O irmão sempre lhe inspirara um respeito que quase sufocava a sua afeição. Começou, então, a saber coisas que ignorava: e Elizabeth explicou-lhe que uma esposa pode-se permitir com o marido liberdades que um irmão nem sempre poderia tolerar na irmã dez anos mais jovem do que ele.

Lady Catherine ficou extremamente indignada com o casamento do sobrinho; e, dando largas à franqueza que a caracterizava, ela enviou uma resposta em termos tão violentos, especialmente contra Elizabeth, à carta de participação do sobrinho que durante algum tempo as relações mantiveram-se totalmente cortadas. Por fim, contudo, Elizabeth conseguiu o perdão do marido para a ofensa e fez que ele procurasse a reconciliação. Após alguma resistência, o ressentimento de Lady Catherine cedeu, quer pela afeição que tinha pelo sobrinho, quer pela sua curiosidade em ver como a sua esposa se conduzia; e consentiu em ir visitá-los a Pemberley, apesar da afronta aos seus ilustres antepassados, não só pela presença de uma esposa de tão baixa extracção, como pelas visitas constantes dos seus tios de Londres.

Com os Gardiner, eles mantiveram sempre grande intimidade. Darcy, a exemplo de Elizabeth, tinha a maior afeição por eles, pois, além de tudo o mais, nunca se esqueceram da gratidão que deviam às pessoas por cujo intermédio eles tinham reatado as suas relações, durante aquele passeio pelo Derbyshire.

Capítulo 59 - Todos ficam sabendo do noivado de Elizabeth e Darcy


Capítulo 59 - Todos ficam sabendo do noivado de Elizabeth e Darcy

Readquirida a tranquilidade de espírito, e com ela o seu bom humor, Elizabeth exigiu do Sr. Darcy que ele lhe contasse como se apaixonara por ela.

- Como começou? - disse ela. - Compreendo que tenha
progredido gradualmente, após o primeiro passo; mas o que foi que o impulsionou?

- Não posso determinar a hora ou o lugar, o olhar ou as palavras que alicerçaram o meu amor. Já estava no meio e ainda não dera por que tivesse começado.

- Quanto à minha beleza, foi desde logo classificada por si, e, quanto aos meus modos, o meu comportamento para consigo andou perto da má educação, e quando me dirigia a si era quase sempre com o intuito de feri-lo. Agora, seja sincero: foi pela minha impertinência que me admirou?

- Admirei-a pela vivacidade do seu espírito.

- Ou impertinência, como queira. Pouco menos era do que isso. O que é certo é que estava farto de amabilidades, deferências e atenções. Desdenhava todas aquelas mulheres que falavam, agiam e pensavam com o único fito de o conquistar. Despertei a sua atenção porque eu era diferente delas. Se não tivesse um fundo realmente bom, ter-me-ia odiado. Mas, apesar do trabalho que teve em disfarçar os seus sentimentos, estes sempre foram nobres e justos. No seu coração, nunca deixou de desprezar as pessoas que o cortejavam tão assiduamente. Ora aí tem... poupei-lhe o trabalho de uma explicação; e, de facto, pensando bem, começo a achá-la perfeitamente razoável. De resto, não me conhecia nenhuma boa qualidade, mas ninguém pensa nisso quando se apaixona.

- E não havia bondade na afectuosa atitude que teve para com Jane, quando ela esteve doente em Netherfield?

- Querida Jane! Quem não teria feito outro tanto por ela? Mas faça disso uma virtude, se quiser; as minhas boas qualidades ficam ao seu cuidado, e pode exagerá-las como melhor lhe convier. Em troca, cabe-me o direito de provocá-lo e discutir consigo todas as vezes que me apetecer; e, para começar, diga-me por que razão à última hora se mostrou tão indeciso. Por que razão se mostrou tão tímido comigo na primeira vez que nos visitou e, depois, quando aqui jantou? E, sobretudo, por que conservava uma atitude tão distante e fria?

- Porque também você se mantinha grave e silenciosa e não me deu qualquer encorajamento.

- Mas eu estava embaraçada.

- E eu também.

- Podia ter procurado conversar mais comigo, quando veio jantar.

- Um homem menos apaixonado que eu talvez o tivesse feito.

-É pena que encontre para tudo uma resposta razoável e que eu tenha o bom senso de aceitá-la! Mas pergunto-me a mim mesma quanto tempo levaria ainda para se declarar, se eu não tivesse interferido! Pergunto-me quando se resolveria a falar, se eu não o tivesse interrogado! A minha resolução em agradecer-lhe a sua bondade para com Lydia teve, sem dúvida, um grande efeito. Receio que até demasiado, pois que será da moral se o nosso entendimento se deve a uma quebra de promessa, uma vez que eu não deveria ter mencionado o assunto? Assim não iremos longe.

- Não se preocupe. A moral está a salvo. As injustificadas tentativas de Lady Catherine para nos separar foram um meio de remover todas as minhas dúvidas. Não é ao seu ávido desejo de exprimir a sua gratidão que devo a minha actual felicidade. Não me sentia em estado de esperar muito tempo por uma intervenção sua. A comunicação da minha tia deu-me novas esperanças e eu estava decidido a saber tudo imediatamente.

- Lady Catherine foi-nos de imensa utilidade, e isso deverá torná-la feliz, pois ela gosta de ser útil. Mas, diga-me, por que veio a Netherfield? Foi apenas para passear até Longbourn e ficar embaraçado? Ou terá pensado na possibilidade de consequências mais sérias?

- O meu verdadeiro objectivo foi vê-la e verificar se poderia alguma vez fazer que gostasse de mim. O motivo declarado, ou pelo menos aquele que confessei a mim mesmo, foi verificar se a sua irmã ainda gostava de Bingley e, acaso ainda gostasse, fazer ao meu amigo a confissão que mais tarde realmente lhe fiz.

- Terá alguma vez a coragem de participar o nosso noivado a Lady Catherine?

- É mais fácil faltar-me o tempo do que a coragem. Mas, uma vez que tem de ser feito, dê-me uma folha de papel e escreverei neste mesmo instante.

- E, se eu não tivesse também uma carta a escrever, sentar-me-ia a seu lado e admiraria a regularidade da sua caligrafia, como certa jovem, um dia, já o fez; mas acontece que também tenho uma tia e estou em falta para com ela.

Elizabeth, que até então evitara ter de dizer aos tios que eles tinham exagerado a intimidade entre o Sr. Darcy e ela, ainda não respondera à carta da Sr.a Gardiner, mas, actualmente, sabendo que eles receberiam da melhor maneira a comunicação que tinha a fazer-lhes, ela sentiu-se quase envergonhada ao reflectir que os seus tios já tinham perdido três dias de felicidade, e imediatamente respondeu o seguinte:

Eu já lhe teria escrito, minha querida tia, para lhe agradecer, como devia, a sua longa e carinhosa carta, tão rica em pormenores, se, para lhe dizer a verdade, não me sentisse aborrecida demais para o fazer. A tia supôs mais do que aquilo que realmente existia. Mas, agora, suponha tudo o que quiser; dê largas à fantasia e entregue-se à sua imaginação, para os voos mais arrojados, e, a menos que me imagine já casada, não errará por muito. Escreva-me tão depressa quanto puder e elogie-o a ele ainda mais do que na sua última carta. Não me canso de lhe agradecer por não me terem levado até aos Lagos. Não sei como pude ser tola a ponto de desejar tal passeio! A sua ideia dos garranos é encantadora. Percorreremos o parque todos os dias. Sou a criatura mais feliz do mundo. Talvez outras pessoas já o tenham dito antes, mas nunca com tanta justiça. Sou mais feliz até do que Jane; ela apenas sorri, eu rio. O Sr. Darcy envia-lhe todo o seu amor, aquele que ainda lhe resta. Contamos com todos em Pemberley, para passar o Natal. A sua, etc.

A carta do Sr. Darcy para Lady Catherine foi escrita em estilo bem diferente. Diferente também de ambas foi a carta que o Sr. Bennet escreveu ao Sr. Collins, em resposta à última daquele cavalheiro.

Caro Senhor,

Venho incomodá-lo mais uma vez para novas participações. Elizabeth será em breve a esposa do Sr. Darcy. Console Lady Catherine como puder. Mas, se fosse a si, tomaria o partido do sobrinho. Ele tem mais para dar. Sinceramente seu, etc.

Os parabéns que a Menina Bingley mandou ao irmão pelo seu próximo casamento foram tudo o que havia de mais afectuoso e menos sincero. Ela escreveu também a Jane, nessa ocasião, a fim de exprimir o seu contentamento e repetir todas as suas anteriores declarações de estima. Jane não se deixou iludir, mas ficou enternecida; e, embora não tendo confiança nela, não pôde deixar de lhe escrever uma carta muito mais amável e carinhosa do que ela sabia que a outra merecia.

A alegria que a Menina Darcy exprimiu ao receber informação semelhante foi tão sincera quanto a do seu irmão ao enviá-la. Quatro páginas foram insuficientes para exprimir todo o seu sentir e o seu sincero desejo de ser estimada pela sua futura irmã.

Antes de qualquer resposta do Sr. Collins ou parabéns de Charlotte para Elizabeth, a família de Longbourn soube que os Collins em pessoa tinham chegado ao Hertfordshire. O motivo dessa súbita viagem tornou-se logo evidente. Lady Catherine ficara tão exasperada com a carta do sobrinho que Charlotte, que na realidade se alegrava com o casamento, desejou ir-se embora até a tempestade passar. Num momento como aquele, a chegada da amiga causou um sincero prazer a Elizabeth, muito embora esse prazer tivesse de ser pago a alto preço, quando via o Sr. Darcy exposto às delicadezas obsequiosas e enfatuadas do Sr. Collins.

Darcy, no entanto, suportava tudo aquilo com uma calma admirável. Ouviu até com serenidade as palavras de Sir William Lucas, que o congratulou por ter conquistado a mais bela jóia do país e exprimiu a esperança de todos eles se encontrarem frequentemente em St. James. Se ele chegou a encolher os ombros, foi apenas quando Sir William se afastou.

A vulgaridade da Sr.a Philips foi outra sobrecarga, talvez maior do que qualquer outra, para a paciência dele; e, embora a Sr.a Philips, tal como a sua irmã, a Sr.a Bennet, se sentisse atemorizada diante de Darcy, que não tinha o bom humor de Bingley, todas as vezes que abria a boca era para dizer coisas vulgares. Elizabeth fazia tudo o que podia para protegê-lo das frequentes atenções de ambas, atraindo-o constantemente para junto de si ou dos outros membros da sua família, com quem ele poderia conversar sem mortificação; e, embora as contrariedades consequentes tirassem ao período de noivado muito do seu encanto, faziam-na pensar com maior satisfação no futuro, antecipando a vida confortável e intimamente familiar que teriam em Pemberley, longe daquela sociedade tão pouco agradável para ambos.

Capítulo 58 - Darcy e Elizabeth noivos


Capítulo 58 - Darcy e Elizabeth noivos


- Minha querida Lizzy, por onde andaram? - foi a pergunta que Elizabeth recebeu de Jane quando ela entrou no quarto e de todos os outros quando se sentaram à mesa. Ela limitou-se a responder que se tinham distraído e caminhado mais longe do que esperavam, e, embora ela corasse, ninguém suspeitou da verdade.

A tarde passou calmamente, sem que nada de extraordinário ocorresse. Os noivos reconhecidos falaram e riram; os não reconhecidos permaneceram calados. Darcy não era daquelas pessoas em que a felicidade transborda em alegria; e Elizabeth, agitada e confusa, tinha consciência da sua felicidade, mas não a sentia propriamente; pois, para além dos obstáculos imediatos, ainda existiam outros à sua frente. Ela antecipava a reacção da família quando tomassem conhecimento da sua situação; sabia que ninguém gostava dele a não ser Jane; e receava mesmo que a antipatia deles fosse de tal ordem que toda a fortuna e importância de Darcy não pudessem dissipar.

À noite, ela abriu-se com Jane. Embora a suspeita não fizesse parte dos hábitos da Menina Bennet, desta vez Elizabeth esbarrou com a sua incredulidade.

- Estás a brincar, Lizzy. Não pode ser! Noiva do Sr. Darcy! Não, não penses que me enganas. Sei que tal coisa é impossível.

- Este começo não é, de facto, muito animador! Tu eras a única pessoa que eu contava que me acreditasse, e, se não acreditas, ninguém mais o fará. Porém, é verdade o que te digo. Ele ainda me ama e estamos noivos.

Jane olhou para ela, duvidosa:

- Oh, Lizzy! Não pode ser. Sei bem como tu o detestas.

- Tu não sabes absolutamente nada. Tudo isso é para esquecer. Talvez outrora eu não o soubesse apreciar como o aprecio agora, mas em casos como estes a boa memória é imperdoável. É esta a última vez que recordarei tais coisas.

Jane continuava atónita, e Elizabeth, de novo e com mais seriedade, a assegurou da verdade.

- Deus do Céu! Será possível! Porém vejo-me obrigada a acreditar em ti - exclamou Jane. - Minha querida, querida Lizzy! Eu gostaria... eu dou-te os meus parabéns... mas tens a certeza? Desculpa-me a pergunta... tens a certeza absoluta de que poderás ser feliz com ele?

- Quanto a isso, não pode haver a menor dúvida. Ficou decidido entre nós que seriamos o casal mais feliz do mundo. Mas estás contente, Jane? Gostarás dele para teu irmão?

- Muitíssimo. Nada nos poderia causar maior prazer, a Bingley e a mim. Conversámos sobre isso, mas achámo-lo impossível. E tu gostas realmente o suficiente dele? Oh, Lizzy! Faz o que entenderes, excepto casar sem amor. Estás certa da sinceridade e força do teu amor?

- Oh, sim! Quando eu te contar tudo, até acharás que eu amo demais.

- Que queres dizer com isso?

- Quero eu dizer na minha que, se te disser que gosto mais dele do que tu de Bingley, receio que te zangues.

- Minha querida irmã, não brinques e falemos a sério. Conta-me, sem demora, tudo o que achas que eu devo saber. Diz-me: desde há quanto tempo gostas dele?

- Isso aconteceu tão gradualmente que não sei bem quando começou. Contudo, creio dever situar esse meu amor desde aquela primeira vez que vi o belo parque de Pemberley.

Seguiu-se outra súplica para que ela falasse seriamente, e Elizabeth acatou-a, dando à irmã as garantias mais solenes da sua afeição por Darcy. Tranquilizada sob esse aspecto, Jane nada mais tinha a desejar.

- Agora sinto-me duplamente feliz - disse ela -, pois serás tão feliz como eu. Sempre o apreciei. Bastava, aliás, o amor dele por ti para que eu o estimasse para sempre, mas agora, como amigo de Bingley e teu marido, só Bingley e tu própria terão a sua precedência na minha afeição. Mas, Lizzy, foste muito astuta e reservada para comigo. Não me contaste praticamente nada do que se passou em Pemberley e Lambton! Tudo o que sei devo-o a outro e não a ti.

Elizabeth explicou-lhe a razão do seu segredo. Não quisera mencionar o nome de Bingley; e a incerteza dos seus próprios sentimentos fazia que ela calasse também o nome do amigo. Mas agora Elizabeth não podia esconder por mais tempo de sua irmã a participação de Darcy no caso de Lydia. Pô-la ao corrente de tudo e passaram metade da noite conversando.

- É demais! - exclamou a Sr.a Bennet, quando se encontrava à janela, na manhã seguinte. - Então não é aquele desagradável do Sr. Darcy que torna a vir na companhia do nosso querido Bingley? Que desejará ele, com todas estas visitas? Não vê que nos importuna? Por que não vai ele caçar ou fazer qualquer outra coisa, em vez de nos impor a sua presença? Que faremos com ele? Lizzy, será melhor levá-lo de novo a passear, para que ele não se atravesse no caminho de Bingley.

Elizabeth por pouco não conteve o riso perante proposta tão conveniente; contudo, ficou contrariada por sua mãe insistir em tão desagradável epíteto.

Assim que entraram, Bingley olhou para Elizabeth tão significativamente e apertou-lhe as mãos com tanto calor que não deixava dúvidas de que estava bem informado; e pouco depois ele disse em voz alta:

- Sr.a Bennet, não tem no seu parque outros caminhos por onde Lizzy se possa perder de novo, hoje?

- Aconselho o Sr. Darcy, Lizzy e Kitty - disse a Sr.a Bennet - a darem um passeio até Oakham Mount. É um belo e longo passeio e o Sr. Darcy nunca viu a vista.

- Será perfeito para os outros - replicou o Sr. Bingley -, mas creio que demasiado distante para Kitty. Não achas, Kitty?

Kitty confessou que preferia ficar em casa. Darcy declarou que tinha toda a curiosidade em ver a vista e Elizabeth consentiu silenciosamente. Enquanto subia as escadas para se ir aprontar, a Sr.a Bennet acompanhou-a, dizendo:

- Sinto muito, Lizzy, por te obrigar a suportar a companhia daquele homem tão desagradável. Mas espero que não te importes muito: é tudo para o bem de Jane, como deves perceber; e depois, não precisarás de conversar muito com ele, apenas de volta e meia. Portanto, não te exponhas e não te tornes inconveniente.


Durante o passeio, ficou decidido entre eles que o consentimento do Sr. Bennet seria solicitado naquela mesma noite. Elizabeth encarregou-se ela própria de fazer a comunicação a sua mãe. Não sabia como a Sr.a Bennet reagiria, e por vezes duvidava de que toda a fortuna e importância de Darcy não fossem suficientes para vencer a antipatia que sua mãe tinha por ele. Porém, quer a Sr.a Bennet se declarasse violentamente contra o casamento, ou violentamente a favor, a filha estava certa de que a sua atitude seria pouco conveniente e sensata, e ela não estava disposta a tolerar que o Sr. Darcy assistisse às primeiras manifestações da sua alegria ou à veemência da sua desaprovação.

À noite, pouco depois de o Sr. Bennet se recolher à sua biblioteca, Elizabeth viu o Sr. Darcy levantar-se igualmente e segui-lo, e ela ficou numa agitação extrema. Não receava a oposição do pai, mas sabia que o ia desgostar; e a ideia de que ela, a sua filha favorita, lhe causaria uma grande decepção com a sua escolha, enchendo-o de preocupações quanto ao seu futuro, fê-la aguardar, em profunda angústia e aflição, o momento em que o Sr. Darcy tornou a aparecer. Este sorriu-lhe e ela sentiu-se um pouco aliviada. Poucos minutos depois, ele aproximou-se da mesa onde Elizabeth estava sentada com Kitty e, fingindo admirar o trabalho que ela executava, sussurou-lhe ao ouvido:

- Vá até à biblioteca. O seu pai quer falar-lhe.

Elizabeth partiu imediatamente.

Seu pai caminhava de um lado para o outro, com uma expressão grave e ansiosa.

- Lizzy - disse ele -, que fazes? Estarás no teu juízo perfeito aceitando este homem? Não o odiavas?

Naquele momento Elizabeth desejou ardentemente ter exprimido as suas opiniões anteriores com menos ênfase!
Ter-lhe-ia poupado as explicações embaraçosas que agora se via obrigada a fazer. Era necessário. E, um tanto confusa, assegurou o pai da sua afeição pelo Sr. Darcy.

- Ou, por outras palavras, estás decidida a tê-lo para ti. Ele é rico, decerto, e poderás ter roupas e carruagens ainda mais belas do que as de Jane, mas tudo isso te fará feliz?

- Não tem outra objecção a fazer-me - disse Elizabeth - senão a sua suposição de que eu lhe seja indiferente?

- Nenhuma. Todos sabemos que ele é um homem orgulhoso e desagradável; mas nada disso contaria aos nossos olhos se gostasses realmente dele.

- Gosto, gosto muito dele - replicou ela, com lágrimas nos olhos. - Amo-o sinceramente. O seu orgulho não é injustificado e ele é um homem bom e generoso. O pai não o conhece bem, por isso não me magoe falando nesses termos a respeito dele.

- Lizzy - respondeu o Sr. Bennet -, eu já lhe dei o meu consentimento. Ele é realmente um daqueles homens a quem eu nunca recusaria coisa alguma que ele condescendesse em pedir. E agora torno a dá-lo a ti, se estás verdadeiramente decidida a obtê-lo. Mas deixa que te aconselhe a reflectir mais sobre o assunto. Conheço o teu génio, Lizzy, e sei que jamais poderás ser feliz sem que estimes verdadeiramente o teu marido, sem que o consideres teu superior. A tua vivacidade e inteligência colocar-te-iam numa situação de grande perigo num casamento desigual. Cairias facilmente nas garras do descrédito e da miséria. Minha filha, não me dês o desgosto de te ver impossibilitada de respeitar o companheiro da tua vida. Não te dás conta da gravidade do momento.

Elizabeth, ainda mais emocionada, respondeu-lhe solene e gravemente; e por fim, após repetidas vezes afirmar que o Sr. Darcy era realmente o homem da sua vida, explicar a mudança gradual por que tinha passado a sua estima por ele, relatar a absoluta certeza que tinha da sua afeição, que não era coisa de momento, mas que resistira à experiência de muitos meses de incerteza, e enumerar com energia todas as qualidades do seu futuro marido, acabou por conquistar a incredulidade do pai e reconciliá-lo com a ideia do casamento.


- Pois bem, minha querida - disse ele, quando Elizabeth acabou de falar. - Nada mais tenho para te dizer. Se é esse o caso, ele merece-te. Nunca me poderia separar de ti, minha querida Lizzy, entregando-te a alguém menos digno da tua estima.

Para completar a impressão favorável de seu pai, ela então relatou-lhe o que o Sr. Darcy voluntariamente fizera por Lydia. Ele ouviu-a com um espanto ilimitado.

- Realmente, esta é uma noite de surpresas! E assim, Darcy tratou de tudo! Fez o casamento, deu dinheiro, pagou as dívidas do outro e arranjou-lhe um novo cargo? Tanto melhor. Poupa-me inúmeros incómodos e avultada soma de dinheiro. Se tudo tivesse sido feito pelo teu tio, sentir-me-ia na obrigação de lhe pagar, e tê-lo-ia feito; mas estes jovens violentamente apaixonados hão-de querer tudo a seu modo. Oferecer-me-ei, amanhã, para lhe pagar, mas ele protestará com veemência, alegando o seu amor por ti e pôr-se-á ponto final no assunto.

O Sr. Bennet lembrou-se, então, do embaraço de Elizabeth a propósito da carta do Sr. Collins; e, após brincar com ela sobre o assunto, deixou-a finalmente partir, dizendo-lhe, quando ela já ia perto da porta:

- Se chegarem alguns jovens para Mary e para Kitty, manda-os entrar, pois estou à disposição.

Elizabeth sentia-se aliviada de um grande peso; e, após reflectir calmamente no seu quarto durante meia hora, voltou para junto dos outros com um rosto calmo e sereno. Tudo era ainda muito recente para que a sua alegria transbordasse.

A noite passou tranquilamente; nada mais havia a temer e a calma voltaria aos poucos.

Quando a sua mãe subiu para o quarto, Elizabeth acompanhou-a e fez-lhe a importante comunicação. O efeito foi extraordinário, pois, ao ouvi-la, a Sr.a Bennet permaneceu completamente imóvel, incapaz de pronunciar urna palavra. Sob passados largos minutos ela pôde compreender o que ouvira, embora estivesse sempre atenta a tudo o que redundasse em proveito para a família, ou que se lhe apresentasse sob o aspecto de um noivo para qualquer uma das suas filhas. Finalmente, ela começou a voltar a si e a mexer-se na cadeira; levantou-se, tornou a sentar-se, abriu a boca de espanto e persignou-se.

- Deus do Céu! Deus me abençoe! Imagine-se! Quem poderia supor!? O Sr. Darcy! É mesmo verdade? Oh, minha querida Lizzy! Como serás rica e importante! Que mesadas, que jóias e que carruagens tu não terás! O casamento de Jane nada é em comparação com o teu! Sinto-me tão feliz, tão contente! Que homem encantador! Tão belo! Tão alto! Oh, minha querida Lizzy, perdoa-me ter antipatizado com ele no princípio! Estou certa de que ele me perdoará. Minha querida Lizzy... uma casa em Londres! Tudo o que há de melhor! Três filhas casadas! Dez mil libras por ano! Meu Deus do Céu, que será de mim? Enlouqueço.

Tais exclamações foram suficientes para mostrar que não havia dúvidas quanto à sua aprovação; e Elizabeth, felicitando-se por ser a única testemunha daquela efusão, em breve se retirou. Porém, ainda ela não se encontrava há bem três minutos no seu quarto, quando a sua mãe de novo lhe apareceu:

- Minha querida filha - exclamou ela -, não posso pensar noutra coisa! Dez mil libras por ano, e talvez mais! É tão bom como se se tratasse de um lorde! É necessário obter uma licença especial! Mas, meu querido amor, diz-me qual o prato preferido do Sr. Darcy, para eu lho dar amanhã.

Era um triste prenúncio do que poderia ser o comportamento da mãe para com o próprio cavalheiro; e Elizabeth descobriu que, embora de posse dos mais calorosos dos afectos e tranquila quanto ao consentimento dos pais, havia ainda algo a desejar. Mas o dia seguinte passou-se muito melhor do que ela esperara, pois a Sr.a Bennet, afortunadamente, tinha tanto respeito pelo seu futuro genro que só se atreveu a dirigir-lhe a palavra para lhe dizer alguma amabilidade ou manifestar a sua deferência pelas opiniões dele.

Elizabeth viu com satisfação o seu pai fazer esforços para melhor o conhecer; e o Sr. Bennet em breve a assegurou de que a sua estima por ele crescia a todo o momento.

- Tenho grande admiração pelos meus três genros - disse ele-: Wickham é talvez o meu preferido, mas creio que gostarei tanto do teu marido como do de Jane.

Capítulo 57 - Darcy se declara mais uma vez à Elizabeth


Capítulo 57 - Darcy se declara mais uma vez à Elizabeth 

O Sr. Bingley não recebeu carta nenhuma do seu amigo, como Elizabeth receara, e, em vez disso, trouxe Darcy em visita a Longbourn, poucos dias depois da vinda de Lady Catherine. Os cavalheiros chegaram cedo; e, antes que a Sr.a Bennet tivesse tempo para lhe contar que tinham recebido a visita de sua tia, o que Elizabeth receava a todo o momento, Bingley, que queria ficar a sós com Jane, propôs um passeio. Todos concordaram. A Sr.a Bennet não tinha o hábito de caminhar e Mary não tinha tempo a perder, mas os cinco restantes partiram juntos. Bingley e Jane, contudo, em breve deixaram que os outros se distanciassem. Foram ficando para trás, enquanto Elizabeth, Kitty e Darcy teriam de se bastar uns aos outros. Os três pouco conversavam; Kitty tinha medo de Darcy; Elizabeth estava intimamente formando uma resolução desesperada; e ele talvez estivesse fazendo o mesmo.

Caminhavam em direcção a casa dos Lucas, pois Kitty queria fazer uma visita a Maria; e, quando Kitty os deixou, Elizabeth continuou resolutamente com Darcy. Chegara agora o momento de pôr em prática a sua resolução, e, antes que a sua coragem fraquejasse, disse:
- Sr. Darcy, sou uma criatura muito egoísta; e, a fim de aliviar as incertezas dos meus sentimentos, vou talvez ferir os seus. Não posso adiar por mais tempo os agradecimentos que lhe devo pela sua inestimável intervenção a favor de minha irmã. Desde que tomei conhecimento de tal atitude, tenho ansiado por uma ocasião para lhe manifestar toda a minha gratidão. E, se todas as outras pessoas da minha família o soubessem, não lhe falaria apenas em meu nome.

- Sinto imensamente - replicou Darcy, num tom de surpresa e emoção - que tenha sido informada de um facto que, mal interpretado, poderia tê-la contrariado. Julguei poder confiar na discrição da Sr.a Gardiner.

- Não deve culpar a minha tia. Foi por uma inatenção de Lydia que eu soube que o senhor se tinha envolvido no caso; e, naturalmente, não descansei enquanto não fui posta ao corrente de tudo o que se passara. Deixe-me agradecer-lhe novamente, em meu nome e no da minha família, pela generosa compaixão que o levou a dar-se a todos os incómodos e a suportar tantas mortificações, na busca que lhes fez.

- Se insiste em agradecer-me - replicou ele -, faça-o apenas por si. Não nego que o desejo de lhe causar prazer tenha contribuído também para o que fiz. Mas a sua família nada me deve. Respeito-a muito, mas creio que foi só em si que pensei.


Elizabeth ficou tão embaraçada que não soube o que responder. Após uma pequena pausa, o seu companheiro acrescentou:
- Sei que é generosa demais para fazer pouco de mim. Se os seus sentimentos são ainda os mesmos que manifestou em Abril passado, diga-mo imediatamente. O meu amor e os meus desejos permanecem inalterados; mas basta uma única palavra sua para que nunca mais lhe fale no assunto.

Elizabeth, sentindo, além do mais, a difícil e aflitiva situação em que Darcy se encontrava, esforçou-se então por falar; e imediatamente, embora de forma hesitante, lhe deu a entender que os seus sentimentos tinham sofrido uma transformação tão substancial desde o período a que ele aludira que a levavam agora a aceitar as suas declarações com prazer e gratidão. A felicidade que esta resposta causou em Darcy foi a maior que até então conhecera; e, na ocasião, ele exprimiu-a nos termos mais calorosos que o seu coração de apaixonado logrou encontrar. Se Elizabeth tivesse podido erguer os olhos, teria visto toda a felicidade reflectida no rosto dele, infundindo-lhe uma animação que o tornava belo; mas, se ela não podia olhar, podia ouvir, e ele contou-lhe tudo o que sentia, o que, ao provar a importância que ela tinha para ele, valorizava a cada instante o seu amor aos olhos de Elizabeth.

Continuaram a caminhar ao acaso. Profundamente absorvidos nos seus pensamentos, tinham, além disso, muito que sentir e muito para dizer. Elizabeth em breve ficou a saber que deviam o seu actual entendimento aos esforços da tia de Darcy, que, com efeito, o fora visitar no seu regresso e, de passagem por Londres, lhe relatara a sua viagem a Longbourn, a sua causa e a conversa que tivera com Elizabeth, repetindo enfaticamente cada uma das expressões desta última, expressões essas que aos olhos de Lady Catherine denotavam a perversidade e o cinismo da rapariga, com o intuito de desacreditá-la perante o sobrinho. Mas, infelizmente para Sua Excelência, o efeito tinha sido exactamente o oposto.

- Ensinou-me a esperar - disse ele - como nunca antes o tinha ousado fazer. Conhecia suficientemente o seu carácter para saber que, se estivesse absoluta e irrevogavelmente decidida a recusar-me, não hesitaria em dizê-lo a Lady Catherine com toda a franqueza.

Elizabeth corou e sorriu ao replicar:

- Sim, conhecia suficientemente a minha franqueza para saber-me capaz disso. Após tê-lo tratado de forma tão abominável pessoalmente, não teria escrúpulos em fazê-lo perante toda a sua família.

- Que me disse que eu não tivesse merecido? Pois, embora as suas acusações assentassem sobre premissas falsas, a minha atitude naquele tempo merecia as mais severas censuras. Era imperdoável. Não posso lembrar-me dela sem horror.

- Não discutiremos a quem cabe a maior culpa na desavença daquela noite - disse Elizabeth. - Se analisarmos bem, nenhum de nós se conduziu irrepreensivelmente; mas, desde então, creio bem que progredimos em delicadeza.

- Não me poderei reconciliar tão facilmente comigo mesmo. A recordação do que na altura disse, do meu comportamento, dos meus modos e das minhas expressões, tem sido durante todos estes meses, e continua ainda a ser, indizivelmente doloroso. Nunca esquecerei aquele seu reparo, tão bem aplicado: «Se tivesse agido de forma mais cavalheiresca.» Foram estas as suas palavras. Não sabe, nem poderá imaginar, como essas palavras me torturaram, embora, confesso-o, só algum tempo depois lhes tenha reconhecido a justiça.

- Estava, decerto, muito longe de esperar que elas lhe produzissem uma impressão tão forte. E nunca pensei que elas pudessem ser sentidas de tal modo.

- Acredito perfeitamente. Considerava-me naquela altura destituído de todos os sentimentos humanos, tenho a certeza. Nunca esquecerei a expressão do seu rosto ao dizer-me que nada a poderia ter persuadido a aceitar a minha mão.

- Oh! Não repita o que eu disse! Tais coisas não devem ser lembradas. Acredite-me, há muito tempo que me envergonho profundamente delas.

Darcy mencionou a sua carta.

- Acaso ela - disse ele - me reabilitou aos seus olhos? Acaso acreditou no que nela eu lhe dizia?

Ela explicou-lhe os efeitos que a sua carta lhe tinha produzido e como, gradualmente, a sua antipatia se foi dissipando.

- Eu sabia - disse ele - que o que tinha para lhe escrever a iria ferir, mas era necessário. Espero que tenha destruído a carta. Não descansarei enquanto não tiver a certeza de que não a tornará a ler, sobretudo o começo. Lembro-me de certas expressões que poderiam justificadamente provocar o seu ódio contra mim.

- A carta será queimada, se acredita que isso seja essencial para a preservação da minha estima; mas, embora tenhamos ambos razões para pensar que as minhas opiniões não são inteiramente inalteráveis, não creio, por outro lado, que sejam tão facilmente influenciáveis como parece supor.

- Quando escrevia aquela carta - replicou Darcy - pensava que me encontrava num estado de espírito perfeitamente calmo e frio, mas desde então descobri que a escrevera profundamente amargurado e triste.

- Talvez no princípio a carta denotasse uma certa amargura, mas ela não persistiu até final. A despedida era caridosa. Mas não pense mais na carta. Os sentimentos da pessoa que a recebeu e da pessoa que a escreveu são agora tão diferentes do que eram que todas as circunstancias dolorosas relativas a ela devem ser esquecidas. É preciso que aprenda um pouco da minha filosofia. Lembre-se apenas daquilo que lhe causa prazer.

- Não creio que necessite de qualquer filosofia do género na sua vida. As suas retrospecções devem ser tão totalmente desprovidas de mancha que o contentamento que delas extrai se deve não a uma filosofia, mas à ignorância, o que é muito melhor. Comigo, porém, não se passa o mesmo. Quando penso no passado, sou assaltado por dolorosas recordações que não podem, nem devem, ser repelidas. Toda a minha vida fui uma criatura egoísta, se não na prática, pelo menos nos meus princípios. Em criança ensinaram-me o que era certo, mas não me ensinaram a corrigir o meu génio. Deram-me bons princípios, mas deixaram-me segui-los baseado no meu orgulho e no meu conceito. Desafortunadamente filho único (durante muitos anos fui o seu único filho), fui mimado pelos meus pais, que, embora fossem bons (o meu pai, sobretudo, era a benevolência e a afabilidade em pessoa), permitiram, encorajaram e quase me ensinaram a ser egoísta e tirânico, a não me interessar por ninguém para além do círculo da família, a desprezar todo o resto do mundo e a minimizar o seu bom senso e o seu valor comparados com o meu. Assim fui eu dos oito aos vinte e oito; e assim permaneceria ainda se não fosses tu, minha querida e encantadora Elizabeth! O que eu não te devo! Deste-me uma lição, dura a princípio, mas muito vantajosa. Fui, por ti, devidamente humilhado. Fui até ti, sem duvidar de que me aceitarias. Foi então que me revelaste a insuficiência de todas as minhas pretensões para agradar a uma mulher digna de ser amada.

- Estava realmente persuadido de que eu me sentiria lisonjeada?

- Confesso que estava. Que pensa da minha vaidade? Acreditei mesmo que desejava e esperava as minhas propostas.

- A culpa talvez caiba aos meus modos, mas não agi intencionalmente, asseguro-lhe. Nunca tencionei iludi-lo. Como me deve ter odiado, a partir daquela noite!


- Odiá-la! Fiquei furioso, talvez, a princípio, mas a minha fúria em breve tomou a direcção acertada.

- Quase não ouso perguntar-lhe o que pensou de mim quando me encontrou em Pemberley. Censurou-me intimamente por lá ter ido?

- Não, de modo algum, senti apenas surpresa.

- A sua surpresa não foi menor do que a minha ao ser notada por si. A minha consciência dizia-me que eu não merecia nenhuma delicadeza extraordinária e confesso que não contava receber mais do que o que me era devido.

- O meu objectivo naquela ocasião - replicou Darcy - era mostrar-lhe, por toda a delicadeza ao meu alcance, que não era tão mesquinho que guardasse rancor pelo passado; e esperava obter o seu perdão e apagar a má opinião que tinha de mim, dando-lhe a entender que tinha acatado as censuras que me fizera. A partir de quando outros desejos se introduziram, não lhe posso precisar, mas creio que meia hora depois de a ter visto.

Darcy contou-lhe então o prazer que Georgiana tivera em conhecê-la e o desapontamento que sentira com a súbita interrupção da sua visita. Passou, naturalmente, a falar nas causas dessa interrupção, e Elizabeth ficou a saber que a resolução dele em partir em busca da sua irmã fora tomada ainda na hospedaria, e que, se naquela ocasião se mostrava grave e pensativo, era porque debatia no seu espírito tal ideia e tudo o que ela acarretava. Ela tornou a exprimir a sua gratidão, mas o assunto era demasiado penoso para ambos para que insistissem nele.

Após caminharem várias milhas sem destino e ocupados demais para se preocuparem com isso, descobriram finalmente, ao olharem para o relógio, que já tinha passado a hora de regressarem.

- Que será feito de Bingley e de Jane! - foi a observação que os introduziu na discussão do seu caso. Darcy estava encantado com o noivado; o seu amigo participara-lho sem demora.

- Devo-lhe perguntar se se surpreendeu? - disse Elizabeth.

-Não, de modo algum. Quando parti, já sabia que isso ia acontecer.

- Quer dizer, deu-lhe o seu consentimento. Bem me queria parecer. - E, embora ele protestasse contra o termo, ela percebeu que a sua suposição não estava muito longe da verdade.


- Na noite da minha partida para Londres - disse ele - fiz a Bingley uma confissão que há muito tempo lhe devia ter feito. Contei-lhe como tudo ocorrera, tornando absurda e impertinente a minha interferência na vida dele. Ele ficou muito surpreendido. Nunca suspeitara de nada. Disse-lhe, além disso, que tinha motivos para acreditar ter-me enganado quando lhe dissera que a sua irmã lhe era indiferente; e como, nessa altura, pude ver que a sua afeição por ela continuava inalterada, não duvidei da sua felicidade juntos.

Elizabeth não pôde deixar de sorrir pela facilidade com que ele conduzia o amigo.

- Baseou-se na sua própria observação - disse ela - quando lhe disse que a minha irmã gostava dele, ou apenas na minha informação da Primavera passada?

- Na minha observação. Durante as duas últimas visitas que aqui fiz, observei-a atentamente e fiquei convencido de que ela o amava sinceramente.

- E a sua certeza disso, suponho eu, em breve o convenceu a ele também.

- Sim. Bingley é extraordinariamente modesto. Foi isso que o impediu de confiar no seu próprio julgamento, mas a confiança que ele deposita em mim tornou tudo fácil. Fui obrigado a confessar-lhe uma coisa que durante vários dias o indispôs contra mim. Precisei de lhe dizer que tinha sabido da presença da sua irmã em Londres durante aqueles meses de Inverno e que propositadamente escondera o facto do conhecimento dele. Ele ficou furioso, mas estou persuadido de que a sua fúria durou apenas enquanto duvidava ainda dos sentimentos de sua irmã. Já me perdoou.




Elizabeth sentiu-se tentada a observar que o Sr. Bingley tinha sido um amigo encantador, tão fácil de conduzir que o seu valor era incalculável, mas conteve-se. Lembrou-se de que ele precisava ainda de aprender a que se rissem dele e que era um pouco cedo demais para começar. Ao prever a felicidade que esperava Bingley, que seria apenas menor que a sua, ele continuou a conversa até chegarem a casa. No vestíbulo, separaram-se.